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Moda e sustentabilidade compõem a nobreza do Couro

Imagem Freepik

Por Luís Vieira


O couro tem uma longa história de uso pelos humanos, desde os tempos antigos quando era utilizado para a proteção contra o frio e as intempéries, sendo fundamental para a sobrevivência e evolução da nossa espécie. Com o passar dos anos, se tornou um artigo de moda e símbolo de status, associado a luxo e elegância.


Com a crescente conscientização ambiental e a promoção da criação responsável de animais, aliadas a sistemas de rastreabilidade e ao surgimento de novas tecnologias e técnicas de produção, a indústria coureira tem se tornado cada vez mais sustentável e ética.


Hoje em dia, essas inovações estão transformando a indústria da moda e o couro brasileiro continua sendo valorizado por sua qualidade e sofisticação, mas agora também é reconhecido por seu compromisso com a sustentabilidade.


Segundo a Enciclopédia Britânica, os primeiros registros de processamento de couro datam de cerca de 5.000 a.C., no Egito Antigo e na Mesopotâmia. Nessa época, a técnica consistia em mergulhar as peles em soluções à base de plantas para torná-las mais duráveis e flexíveis. Ao longo da história, diversas civilizações aprimoraram os métodos de curtimento de peles. Na Grécia Antiga, por exemplo, o couro era utilizado na confecção de armaduras e calçados. Já na Roma Antiga, servia como material para a produção de roupas, calçados e até mesmo mobiliário.


No período medieval, o couro continuou sendo uma matéria-prima valiosa. A produção artesanal de artigos em couro tornou-se uma atividade importante, especialmente nas cidades europeias. Nessa época, o material era utilizado tanto por camponeses quanto por nobres, sendo símbolo de status e poder.


Foi durante o Renascimento que o couro começou a ser associado ao luxo e à moda. Com o desenvolvimento das técnicas de curtimento e acabamento, surgiram peças de couro sofisticadas, como luvas, bolsas e cintos. Os artigos feitos a partir de peles de animais se tornaram itens de desejo entre a alta sociedade europeia, sinônimo de elegância e refinamento.


Ao longo dos séculos seguintes, a indústria do couro continuou a evoluir. Novas técnicas de curtimento foram desenvolvidas, tornando o material mais resistente e durável. O surgimento da Revolução Industrial impulsionou ainda mais a produção em larga escala de artigos de couro.


Já no século XX, veio a consolidação do couro como um artigo de luxo. Grandes marcas de moda passaram a utilizar o material em suas coleções, oferecendo peças exclusivas e sofisticadas. No entanto, esse período também foi marcado por questões éticas e ambientais relacionadas à cadeia do couro. Atualmente, o couro brasileiro destaca-se como uma referência mundial em qualidade e sustentabilidade. Conforme o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), nosso país tem o maior rebanho comercial do mundo, que é uma das principais fontes de matéria-prima para a indústria do setor que exporta mais de 2 bilhões de dólares ao ano e emprega mais de 30 mil pessoas. Para garantir a sustentabilidade da produção, têm sido adotadas práticas responsáveis de criação e abate dos animais, além de técnicas de curtimento menos agressivas ao meio ambiente. Essas inovações buscam conciliar o desejo por artigos de luxo com a preocupação com a preservação ambiental e o bem-estar animal.


Setor evolui em sua missão de ser mais eficiente e responsável


Fotos Luis Vieira

Tendo como os três principais mercados os setores de calçados, estofados e automóveis, o couro brasileiro entrega diferenciais únicos como as propriedades de troca de calor, abrasão e elasticidade, que, de acordo com o presidente executivo do CICB, José Fernando Bello, devido à natureza orgânica, não podem ser reproduzidas por outros materiais. “Com isso, o couro confere valor agregado aos produtos e uma durabilidade muito maior em relação a outras alternativas, que geralmente têm rápido desgaste e, assim, grande possibilidade de descarte”, aponta José Fernando.


Segundo Estudo do Setor de Curtumes no Brasil (2022, com dados de 2021), o consumo de couro no mercado interno brasileiro tem dois principais clientes: a indústria de calçados, com participação de 40,4%, e o segmento de estofados, também com 40,4%. Esta realidade contrasta com o que se verifica no mercado externo para onde são embarcados cerca de 70% da produção total de couros do Brasil. Nos países importadores 42,4% dos couros nacionais vão para estofados, 30,2% são utilizados pela indústria automotiva e somente 18,3% têm os calçados como destino final.


Buscando ainda o reconhecimento de ser um setor que transforma o passivo da indústria da carne em um material nobre, apreciado tanto por seus atributos na indústria quanto pela percepção de valor agregado junto aos consumidores finais, o segmento avança a passos largos em sua jornada pela sustentabilidade. Esse posicionamento entrega novas soluções, inovações e aprimoramentos, que melhoram não apenas o produto, mas a sua relação com o planeta. “Trata-se de um conjunto de ações e um novo paradigma cultural, que mudaram nas últimas décadas toda a forma de fazer couro, com processos bem estabelecidos, por exemplo, em destinação de resíduos (inclusive com zero encaminhamento a aterro e transformação de resíduos em adubo), reuso de águas (com 100% de tratamento próprio), monitoramento da cadeia de fornecimento, automação industrial, relação com comunidades e outros quesitos”, aponta Fernando.


Na avaliação do dirigente setorial, esse movimento pode ser considerado o maior avanço tecnológico da cadeia produtiva. “Porque posiciona o Brasil em seu lugar de destaque e responsabilidade na indústria mundial de couros, traz mais eficiência ao setor e vai ao encontro dos movimentos mundiais de consumo e produção, em sintonia com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU)”, lista.


Segundo ele, todo esse cuidado nos processos de trabalho dos curtumes brasileiros mudou com o olhar da sustentabilidade na indústria. “Tivemos implantados o monitoramento de indicadores, as metas de aprimoramento, os controles sobre toda a cadeia, o olhar para todo o ciclo de vida do material. Isso tornou a indústria melhor, trouxe mais investimentos e abriu novas frentes de trabalho. A sustentabilidade passou a fazer parte da rotina dos curtumes e a integrar de forma definitiva a agenda da indústria, inclusive com o estabelecimento de selos que atuam na gestão do curtume como a Certificação de Sustentabilidade do Couro Brasileiro (CSCB) - e em eventos como o Fórum CICB de Sustentabilidade”, conclui.


Preocupações que vão além da aparência


Destacando que, tendo em vista o cenário atual, no qual a maior parte do couro produzido no Brasil é exportado, e os maiores consumidores de couros acabados no País estão no setor de artigos de luxo, especialmente em produtos como bolsas, acessórios, calçados e móveis de marcas premium, o consultor do Inspiramais, Marnei Carminatti, considera que a melhor performance do material nesse mercado é devido à sua associação com qualidade, durabilidade, e exclusividade. “Consumidores de produtos em couro valorizam a sensação tátil, a aparência sofisticada e a longevidade do couro, o que contribui para sua preferência nesses segmentos”, contextualiza Marnei.


Novas técnicas de curtimento

valorizam ainda mais o material

que já é nobre por natureza.


As novas tecnologias de curtimento são consideradas pelo consultor como um dos maiores avanços no setor de couros para moda. “Hoje a busca por ecoeficiência e redução de impactos é um mantra para a indústria de couros acabados, além disso o avanço e a contribuição tecnológica para rastreabilidade é um ponto muito importante, pois permite o compartilhamento de informações e a transparência da cadeia de produção”, comenta ele, corroborando com a linha de pensamento do executivo do CICB, que também apontou os investimentos das empresas para serem mais sustentáveis como um dos avanços mais importantes.


As novas tecnologias de curtimento e os processos de rastreabilidade transformam a indústria ao oferecer uma alternativa mais ecológica e responsável. Isso impacta positivamente na matéria-prima, proporcionando couros mais sustentáveis e, consequentemente, influenciando a percepção do consumidor, impulsionando a demanda por produtos éticos e ecologicamente corretos.


“No meu ponto de vista, uma grande transformação aconteceu impulsionada pela revolução digital, hoje o mercado do couro está mais próximo das pessoas, é mais democrático, pois pequenos, médios fabricantes e artesãos têm a possibilidade de adquirir diferentes tipos de artigos sem quantidade mínima e há pronta-entrega nas lojas de e-commerce de diferentes curtumes brasileiros. Isso tem impactado no design, pois os curtumes precisam estar atentos às demandas de moda para construir sua própria coleção e serem assertivos para um público muito distinto de fabricantes”, conclui.


Construindo uma cadeia calçadista Sustentável

• Luís Vieira e Melissa Zambrano


Tendo por essência a construção de uma cadeia calçadista sustentável, o programa Origem Sustentável busca impactar positivamente as empresas para que se solidifiquem no mercado a partir de estratégias que priorizem uma gestão eficiente, com resultados econômicos favoráveis, ao mesmo tempo que sejam ativamente responsáveis com a sociedade e seus colaboradores, e preservem o meio ambiente.


Criado em 2013 pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) e Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), o selo Origem Sustentável certifica e mostra para os consumidores e parceiros de negócios que a empresa faz parte da construção de uma cadeia calçadista mais sustentável, se tornando um diferencial comercial também no mercado internacional, auxiliando na realização de novos negócios e destaque no ponto de venda para os lojistas e consumidores.


Reconhecida como a única certificação de sustentabilidade para toda a cadeia calçadista, o Origem Sustentável contempla empresas de calçados, e de matérias-primas para calçados, oferecendo um sistema e guia completos para as participantes alcançarem os seus objetivos e metas em todas as frentes da sustentabilidade, por meio de cinco dimensões: Econômica, Social, Cultural, Ambiental e de Gestão da Sustentabilidade, tornando possível a escolha do limite organizacional da certificação que pode ser tanto para um grupo empresarial, quanto para uma marca ou uma unidade produtiva.


- Empresa: Certificação de todos os processos da organização. As marcas pertencentes à empresa certificada também recebem a certificação.


- Marca: Certificação dos processos relacionados a uma determinada marca. Múltiplas unidades podem ter um ou mais processos verificados.


- Unidade: Certificação dos processos que ocorrem nos limites de uma determinada unidade fabril (CNPJ).


Indicadores baseados em parâmetros internacionais


As empresas participantes do Origem Sustentável assumem a responsabilidade de desenvolver e alcançar as metas dos indicadores de cada uma das dimensões. Ao todo são mais de 100 indicadores a serem cumpridos nas diferentes dimensões. Cada um dos indicadores avalia o desempenho das empresas para garantir os níveis de certificação do programa, respeitando o tempo e a evolução de cada empresa. Para isso, foram estabelecidos quatro diferentes níveis (Bronze, Prata, Ouro e Diamante) que acompanham a evolução e a maturidade das empresas na sua jornada pela sustentabilidade.


Conquistam a certificação Bronze as micro e pequenas empresas que atingem 20% dos indicadores e as médias e grandes empresas que atingem 30% dos indicadores; a categoria Prata contempla aquelas empresas que cumprem 40% dos indicadores; a categoria Ouro é oferecida para empresas que conseguem comprovar o cumprimento de 60% dos indicadores de sustentabilidade e o selo Diamante é para as empresas que conseguem atingir no mínimo 80% dos indicadores do programa. O programa fechou o ano de 2023 com 72 empresas certificadas e 21 em processo de certificação, totalizando mais de 90 empresas participantes no programa Origem Sustentável. Dessas, 20 eram certificadas nos níveis máximos (Diamante e Ouro).


Segundo a gestora de Marketing e Relacionamento da Assintecal, Aline Santos, a preocupação das empresas em serem de fato sustentáveis é visível “Nós percebemos um avanço gradual não somente no segmento de componentes, mas em todos os elo da cadeia. Trata-se de uma tendência puxada pelo mercado, especialmente o internacional. Essa demanda do consumidor não pode ser ignorada. A questão é que, muitas empresas, que antes viam a sustentabilidade como um custo, hoje estão vendo como investimento estratégico. Empresas que investem em processos sustentáveis, além de todo o ganho de imagem, se tornam mais competitivas no mercado com reduções de custos no médio e curto prazos, especialmente no uso de energia elétrica, recursos naturais, reciclagem e reuso de materiais, entre outros ganhos”, ressalta.


Para o gestor de Projetos da Abicalçados, Cristian Schlindwein, “a indústria calçadista brasileira é uma atividade fundamental para a economia nacional. No passado, muitas vezes era destacada por pontos negativos, de gerar danos ambientais. Porém, muitos foram os esforços, principalmente nos anos recentes, para tornar a produção mais limpa. Hoje, temos a cadeia produtiva de calçados mais limpa e sustentável entre os nossos concorrentes internacionais. O Origem Sustentável é um programa que, além de certificar práticas sustentáveis, não somente no pilar ambiental, mas também social, econômico e cultura, demonstra esse avanço”, destaca.


Empresas certificadas


Entre as empresas que receberam mais recentemente o certificado em nível Diamante, está a Karina Plásticos. Para a empresa a conquista é uma demonstração dos esforços, conquistas e avanços, que reafirmam o compromisso em relação à preservação do meio ambiente e o incentivo ao desenvolvimento sustentável, social e de governança.


“Como nosso propósito é estar em todo lugar de forma sustentável e inovadora transformando a vida das pessoas, praticamos ações para contribuir com a redução dos impactos ambientais”, contextualiza Nara Matos, do Marketing e Comunicação da empresa. Ela salienta que a conquista é um benefício para toda a cadeia de valor, gerando impacto positivo para todos os clientes, fornecedores e colaboradores, ela destaca que “entendemos que respeitar o meio ambiente e criar alternativas sustentáveis para nosso portfólio, processo produtivo e conscientização dos nossos colaboradores irão refletir no futuro para um mundo mais sustentável. Temos ciência de que nosso desenvolvimento econômico está totalmente atrelado à nossa responsabilidade social, ética e contribuição com a redução dos impactos ambientais”, finaliza.


A fabricante de calçados infantis Pampilli foi recentemente certificada na categoria Ouro. A CEO da empresa, Maria Mestriner Colli, destaca a importância do reconhecimento de ações de sustentabilidade. “Somos a primeira empresa calçadista do estado de São Paulo certificada pelo Selo Origem Sustentável no nível Ouro. Esse é um reconhecimento do nosso compromisso com a gestão sustentável, temos em nossa essência o compromisso de cuidar, desenvolver e elevar a consciência para a construção de um futuro melhor. Todas as ações dentro da Pampili são pensadas para promover a sustentabilidade, tanto ambiental quanto social”, avalia Maria Mestriner, ressaltando que a ideia é que esses processos evoluam cada vez mais.


Já a Colorgraf recebeu certificação Prata. Segundo o diretor comercial da Colorgraf, Ismael Arnold, com a certificação, a empresa passa a demonstrar, para consumidores e parceiros de negócios, que faz parte da construção de uma cadeia calçadista mais sustentável. “Trata-se de uma certificação de comprometimento com o futuro, que valoriza as marcas e faz a diferença no setor calçadista. Mais do que uma ação opcional, o reconhecimento reflete a responsabilidade que todo o mercado corporativo precisa acatar. A soma dos setores, seus colaboradores e as tarefas executadas por cada um abrangem essa responsabilidade”, explica Ismael.


A política de sustentabilidade da Colorgraf tem como objetivo principal promover a responsabilidade socioambiental em todas as áreas da empresa. “Sendo assim, procuramos desenvolver e implementar ações que venham minimizar o impacto industrial no meio ambiente, contribuir com o bem-estar social e garantir a sustentabilidade econômica de longo prazo. A sustentabilidade não é apenas questão de escolha, mas uma necessidade. Portanto, entendo que é meu compromisso enquanto diretor liderar nossa organização na direção certa, priorizando a sustentabilidade em todas as nossas operações e tomando medidas concretas para proteger nosso planeta e promover um futuro mais sustentável para todos,” conclui o diretor.

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