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Calçando o futuro com responsabilidade

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A vocação da indústria calçadista brasileira para a exportação vem de longa data. O primeiro embarque internacional no setor aconteceu no ano de 1968, por uma ousadia protagonizada pela empresa Strassburger. No decorrer dos anos e das décadas seguintes, o mercado internacional passou a ser também uma opção para as demais empresas. Aquelas que se dispuseram a enfrentar esse desafio se depararam com a necessidade de aprimorarem as suas metodologias de fabricação. O resultado é que na atualidade várias marcas verde-amarelas são encontradas à venda em vitrines mundo afora, onde competem com grifes internacionais, algumas sendo fabricadas também no Brasil, que é o 4º maior produtor de calçados e ocupa a 14ª posição entre as nações exportadoras.

A primeira solução para consolidar a presença no comércio mundial foi escalar os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e na modernização dos respectivos parques tecnológicos. Outra mudança marcante é que a qualidade dos produtos deixou de ser diferencial de marca para se tornar fator básico a todos os produtos oferecidos.

Se no início das transações com o mercado externo as indústrias nacionais basicamente reproduziam as marcas dos clientes (sistema conhecido como private label), aos poucos o interesse em oferecer as grifes próprias aos importadores começou a crescer.


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Novas exigências


Hoje, para ser competitiva, a empresa e a marca precisa ser transparente quanto aos seus propósitos e boas práticas. A gestão das substâncias restritas, a sustentabilidade e a rastreabilidade são condutas essenciais para a reputação das indústrias, cada vez mais cobradas sobre os objetivos para a sua existência e o modo de atuar.

A indústria calçadista brasileira é um dos setores que mais empegam mão de obra no País, com 292,4 mil empregos formais em abril de 2025, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), com base em dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

O Relatório Indústria de Calçados Brasil 2025 elaborado pela Associação mostra que, no ano passado, a indústria nacional produziu 929 milhões de pares, a maior em 11 anos, dos quais 97,4 milhões foram exportados, somando divisas no valor de US$ 976 milhões. O modelo de terceirização private label, que já foi a forma principal para entrar no mercado mundial, representou no ano passado apenas 15,7% do volume da produção nacional de calçados. Para 2025, de acordo com a Análise de Cenários apresentada em maio, também pela Abicalçados, o setor deve produzir neste ano entre 1,4% e 2,2% a mais do que em 2024, alcançando entre 942 e 949 milhões de pares produzidos, dos quais 100 milhões terão como destino a exportação.


A vulnerabilidade infantil e os impactos sobre a indústria


Uma das maiores preocupações contemporâneas da indústria calçadista está relacionada com o segmento infantil, que representa 9,3% do total de calçados fabricados

no Brasil. Pois, esses calçados são destinados a um público que é amplamente vulnerável à toxicidade inerente a uma série de substâncias presentes nos insumos e componentes utilizados ao longo da cadeia de produção dos calçados. Um dos motivos dessa suscetibilidade vem da prática que as crianças têm, principalmente nos primeiros anos de

vida, de levar objetos à boca. E com isso elas estão sujeitas ao contato direto com materiais potencialmente perigosos, como chumbo, cádmio ou ftalatos, por exemplo.

A exposição a ftalatos (usados para amaciar plásticos), metais pesados, corantes azo e solventes pode causar danos neurológicos, hormonais e até câncer a longo prazo. Como consequência, as indústrias voltadas ao público infantil devem estar ainda mais atentas com as rígidas normativas e legislações que tratam especificamente sobre os limites para o uso de substâncias químicas nos produtos disponibilizados para o uso e consumo.

Com isso, o setor calçadista convive com a complexidade das exigências regulatórias relacionadas a uma série de substâncias catalogadas como sendo de uso restrito. Desde a escolha das matérias-primas - como solados, adesivos, tintas, enfeites, laminados sintéticos, couros e tecidos - até o produto finalizado, o calçado deve estar em conformidade com diversas normas regulatórias.

A readequação da cadeia de fornecimento com relação às quantidades toleradas de substâncias sob controle precisa ser comprovada por meio de laudos técnicos emitidos por laboratórios independentes com reconhecimento nos mercados compradores. Esses laudos determinam se os materiais realmente estão livres de contaminações, mesmo que sejam de forma cruzada, e também se as substâncias estão presentes dentro dos níveis permitidos ou, ainda, se existe alguma não conformidade. Tudo isso visa principalmente a minimizar a exposição humana e prevenir a contaminação ambiental contra substâncias potencialmente perigosas.

Neste caso, os cuidados são redobrados para os produtos e artigos destinados ao mercado internacional. Pois, as normas regulamentadoras que regem o uso dessas substâncias variam entre os países e regiões. Algumas delas se destacam internacionalmente, como o regulamento Reach (Regulation, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals), que tem abrangência em toda a União Europeia e se destaca pela complexidade - a normativa foi constituída considerando uma base de dados de mais de 27 mil substâncias químicas registradas.

Segundo o presidente executivo do Instituto Brasileiro de Tecnologia

do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC), Dr. Valdir Soldi, a agência europeia de substâncias químicas Echa, que controla todo o processo de registro e avaliação, definiu até o momento que, do universo dessas 27 mil substâncias registradas, 247 são consideradas de elevada preocupação para a saúde humana e meio ambiente. “Entre os principais riscos, a agência destaca os efeitos carcinogênicos, mutagênicos e toxicidade para a reprodução humana dessas substâncias”, pontua.

Além do Reach, existem outras legislações e programas orientativos direcionados a diferentes segmentos, como por exemplo, a certificação LWG (Leather Working Group) voltada para o setor de couros, ZDHC (Zero Discharge of Hazardous Chemicals) que incentiva as empresas a substituírem as substâncias consideradas nocivas da cadeia de suprimentos mundial, o grupo Afirm que congrega as grandes marcas esportivas e a CPSC (Consumer Product Safety Commission/EUA) que tem como foco o controle de produtos do setor infantil. No Brasil, temos a ABNT NBR 16536, com foco em segurança de brinquedos.

A cadeia produtiva do couro, um dos primeiros componentes utilizados desde os primórdios para a confecção de dispositivos para a proteção dos pés, está amplamente inserida neste contexto de sustentabilidade e responsabilidade social da indústria do calçado, especialmente porque durante os processos tradicionais de curtimento de peles são utilizados muitos produtos químicos. Alguns deles são potencialmente perigosos à saúde humana e ao meio ambiente. Por outro lado, o setor tem se destacado pelos investimentos em tecnologias avançadas e novas soluções e práticas para tornar todo o processo mais sustentável. Nesse contexto, LWG é uma ferramenta importante para o aprimoramento.

O LWG é uma iniciativa global sem fins lucrativos e com múltiplas partes interessadas, comprometida em construir um mundo onde o couro seja obtido, produzido e usado de forma sustentável, protegendo as pessoas e o planeta.

Estabelecer padrões, reconhecer as melhores práticas e gerar impacto positivo são propósitos do sistema, que define padrões de auditoria pelos quais fabricantes e comerciantes de couro podem ser avaliados e certificados. Isso é fundamental para mensurar e reconhecer as melhores práticas e impulsionar melhorias na indústria do couro. Segundo a organização, 30% da produção global de couro acabado já é avaliada e certificada de acordo com o padrão de auditoria do órgão. Isso significa que mais de 2.200 fornecedores, espalhados por mais de 60 países, são certificados pela LWG.

Fundado em 2005, o órgão começou como uma iniciativa colaborativa entre marcas líderes de calçados, vestuário e estofados, juntamente com fabricantes de couro.

Por meio de colaboração e definição de padrões, a ideia é criar coletivamente uma cadeia de valor transparente para o couro que gera impactos positivos alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ação global estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas e o Conselho Econômico das Nações Unidas).

Entre os membros fundadores do LWG estão Adidas, Clarks, Ikea, Nike, Marks & Spencer, New Balance, Timberland e PrimeAsia Leather Company. Nesses 20 anos decorridos de sua criação, o sistema cresceu e se tornou a maior organização de partes interessadas do mundo dedicada à indústria do couro. A diversificação do grupo abrange múltiplas partes interessadas, incluindo marcas, varejo, fornecedores de máquinas, componentes e produtos químicos, comerciantes de couros parcialmente processados e acabados, grupos industriais, ONGs e associações, por exemplo.

O compromisso da organização é entregar valor a toda a cadeia de interessados, com a missão de apoiar e incentivar o uso de couro produzido de forma responsável como material sustentável.

Marcas responsáveis com forte atuação no exterior

Linha de produção da Calçados Bibi
Linha de produção da Calçados Bibi

Eu acredito no calçado brasileiro”, afirma o presidente do Sindicato das Indústrias de Calçados do Rio Grande do Sul (Sicergs), Renato Klein, lembrando que a indústria nacional atua fortemente nos mercados mundiais e está preparada para vencer as barreiras técnicas, especialmente com relação às regulamentações das substâncias utilizadas ao longo de toda a cadeia de produção. “Estamos muito bem preparados, eu não tenho a menor dúvida, disso. Pois, além de sermos um setor que formou uma base forte para atender as exigências internacionais, contamos com uma rede de laboratórios credenciados junto aos principais órgãos regulamentadores, que atestam toda a qualidade dos nossos calçados e a responsabilidade das nossas marcas e empresas, que são reconhecidas pela boa reputação”, destaca.

Com produção anual de mais de 2,6 milhões de pares de calçados nas fábricas em Parobé/RS e em Cruz das Almas/BA, a Bibi registrou em 2024 alta de mais de 20% na exportação de calçados para mais de 60 países. Com plano de expansão tanto no território nacional quanto no exterior, principalmente em países da América Latina, projeta crescer 17% no faturamento e 43% na exportação anual em 2025. Para isso, traçou estratégicas que focam diferentes frentes do negócio. Uma delas é a exportação de produtos com marca e design próprios.

No último ano, iniciou o processo de exportação para Angola, e retomou o envio de calçados para os mercados da Palestina, Tanzânia, Armênia e Israel. “Desde a década de 1990, exportamos calçados com marca e design próprio para países nos cinco continentes. Neste ano, registramos aumento no envio para o mercado exterior, principalmente com a retomada da exportação para a Argentina, que já foi responsável por 40% das vendas. Também abrimos novas frentes de vendas para o Paraguai, a Venezuela e a República Dominicana”, ressalta a presidente da empresa, Andrea Kohlrausch.

Ismael Fischer - Gerente de Suprimentos da Calçados Bibi
Ismael Fischer - Gerente de Suprimentos da Calçados Bibi

Atuando de forma proativa na questão das substâncias restritas por meio de rigorosos controles e parcerias estratégicas, desde 2014, a Bibi tem a colaboração do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçados e Artefatos (IBTeC) para monitorar todos os materiais utilizados na produção, assegurando que estejam em conformidade com os padrões internacionais relacionados a substâncias

tóxicas. “Essa prática garante não apenas o cumprimento das exigências regulatórias, como a norma europeia Reach, mas também a segurança e o bem-estar das crianças”, destaca o gerente de suprimentos, Ismael Fisher.

Para fortalecer e consolidar o trabalho a Calçados Bibi possui um criterioso processo de Homologação de Fornecedores levando em consideração além das questões técnicas relacionadas a substâncias restritas aspectos referentes às questões trabalhistas e ambientais embasando-se no programa de certificação ESG e sustentabilidade Origem Sustentável voltado para as empresas da cadeia calçadista.

Ricardo Gracia - CEO da Kidy
Ricardo Gracia - CEO da Kidy

A cada dia são fabricados 14 mil pares da marca de calçados infantis Kidy, que destina mais de 9% da produção para exportação e tem como meta aumentar as vendas ao mercado externo para 20% em 2026. Especializada na produção de calçados com conforto e tecnologia embutidos, a empresa sediada em Birigui/SP exporta para mais de 60 países, entre os quais estão os Emirados Árabes, Chile, Colômbia, Bolívia e Angola.

O CEO da empresa, Ricardo Gracia, destaca que a Kidy é uma marca extremamente ativa em relação à gestão das substâncias restritas, pois são questões que impactam não só no mercado nacional, mas também internacional. “Aliás, o mercado internacional é ainda mais restritivo”, contextualiza ele, lembrando que a empresa utiliza ao máximo materiais sustentáveis e recicláveis, como tinta, tecido e borracha etc. Quando falamos de restrição, porém, a Kidy vai além de tecnologia e materiais. “Os nossos calçados são fabricados de acordo com os mercados oferecidos; até porque o pé do brasileiro é diferente do asiático, que, por sua vez, é diferente do norte-americano, por exemplo". Nessa estratégia, a marca atua fortemente com private label, principalmente para entrar no mercado norte-americano.

Contudo, a marca própria conta com linhas que são campeãs de venda tanto no mercado doméstico, quanto externo. O que diferencia, muitas vezes, são as cores e o fato de que numa coleção os modelos masculinos, às vezes, são mais vendidos em um mercado, enquanto os femininos se destacam em outro. “A linha Equilíbrio (007 e 008), por exemplo, assim como a K360, são as mais vendidas tanto no mercado nacional quanto no internacional. A linha Equilíbrio se destaca pela tecnologia oferecida, proporcionando um passo seguro na fase inicial da infância, enquanto a linha K360 apresenta um design mais esportivo, voltado para os pré-adolescentes, que já não desejam calçados com um perfil tão infantil”, explica. Além desses, desde 2018, a empresa exporta para China, onde estabeleceu uma joint venture com um grupo varejista local.

A gestão das substâncias restritas e a rastreabilidade são, portanto, desdobramentos naturais para o segmento calçadista, cuja cadeia precisou se reinventar. As novas gerações de consumidores exigem mais do que produtos bonitos, confortáveis e duráveis. Ela quer saber a origem dos materiais, como foram produzidos, quem fabricou e qual o impacto desse processo para a natureza e para a saúde humana.

No universo dos calçados, isso significa que cada par precisa ser projetado, desenvolvido e entregue com a máxima responsabilidade ambiental, segurança química e ética social, buscando com isso calçar um futuro mais seguro e sustentável. Mas não basta todo esse cuidado. É preciso comprovar que não se trata meramente de propaganda, mas, sim de ações concretas, rastreáveis e comprovadas através de laudos técnicos reconhecidos pelo mercado.


Por Luís Vieira

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