• Luís Vieira
O estudo Bússola da Sustentabilidade realizado pela Union + Webster e publicado pela Federação das Indústrias Paranaenses (Fiep) aponta que 87% da população brasileira prefere comprar produtos e serviços de empresas sustentáveis. A pesquisa também mostra que 70% dos entrevistados pagariam um pouco mais para as organizações que comprovam ter esses cuidados. A cada dois anos, a Bússola da Sustentabilidade traça o perfil sustentável das indústrias do Paraná por meio de um questionário online, abrangendo oito dimensões: Planejamento e Gestão de Processos; Gestão de Pessoas; Produção; Cadeia de Suprimentos e Distribuição; Consumidores; Parcerias Institucionais; Meio Ambiente e Engajamento Local.
Segundo o pesquisador do Observatório do Sistema Fiep, Augusto Machado, a sustentabilidade no meio industrial busca maximizar o desenvolvimento econômico e o bem-estar humano e minimizar impactos negativos ao meio ambiente e à sociedade. “Os gestores industriais têm percebido que, para seus negócios perdurarem, é fundamental gerenciar os recursos de toda a sua cadeia produtiva, além de atuar de maneira transparente e responsável, gerando maior competitividade e diferenciação no mercado”, comenta.
A sustentabilidade, alicerçada em seus três principais pilares (Ambiental, Social e Econômico), corresponde um dos tentáculos das ações sociais, ambientais e de governança, conhecidas pela sigla em inglês ESG - Environmental, Social and Governance -, as quais vêm sendo muito exigidas pelo mercado. Tais práticas abrangem outras dimensões, como o respeito às condições do trabalho, responsabilidade fiscal e cumprimento das leis, por exemplo.
Cada vez mais conscientes e exigentes, os consumidores querem conhecer o propósito das empresas e a elas impõem a adoção de atividades éticas e sustentáveis como fatores decisivos para efetuarem suas compras ou contratações. Este contexto se repete nas relações entre empresas que, para se manterem relevantes, precisam garantir tais medidas de ponta a ponta, começando pela cadeia de fornecedores e se estendendo até os canais de distribuição ao consumo e, cada vez mais, também na oferta de soluções para os descartes pós-consumo.
Para garantir a transparência com relação a essas condutas existe no mercado uma ampla gama de selos de certificação e programas regulatórios, com diferentes metodologias que visam não somente a avaliar as empresas, mas a orientá-las para que obtenham maior assertividade e consistência nessa reorganização. Mas para implantar um sistema certificador em uma empresa é necessário que esta organização consolide em seu DNA uma cultura responsável que vise não somente a sua sobrevivência no mercado, mas que as suas atitudes sejam ecologicamente corretas, economicamente viáveis, socialmente justas e culturalmente diversas, de forma a garantir que hajam recursos naturais para o desenvolvimento das futuras gerações e a sobrevivência do próprio planeta.
O que são os selos de sustentabilidade?
Os selos ESG existem para garantir aos consumidores, parceiros e investidores que a empresa certificada de fato implanta e pratica ações voltadas aos princípios de governança e socioambientais, e que as suas afirmações neste sentido são reais e não apenas publicidade para garantir uma boa imagem no mercado. Na prática, os selos de sustentabilidade, devido aos sistemas de avaliação a partir de uma série de critérios a serem cumpridos, bem como as consultorias para orientar as empresas para a regulamentação, se tornam uma forma de apoiar as empresas a desenvolverem as suas atividades de forma consistente e sustentável.
Ao se tornarem aptas para a obtenção uma certificação ESG, as empresas olham para a sua rede de fornecedores e para os seus processos e buscam alternativas viáveis para melhorarem seu desempenho financeiro, aprimorarem a governança, promoverem a eficiência no seu funcionamento, evitarem desperdícios, criarem oportunidades de crescimento também para seus colaboradores e parceiros, alinharem as suas práticas de maneira sustentável com as normas ambientais e em conformidade com as legislações.
Setor de componentes qualifica a cadeia da moda
Promovido pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) e Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) o Programa Origem Sustentável é uma certificação brasileira que tem por objetivo destacar as indústrias de calçados e componentes nacionais que incorporam a sustentabilidade em seus processos produtivos.
Com cinco dimensões (Econômico, Ambiental, Social, Cultural e Gestão da Sustentabilidade), o selo é também uma garantia de alinhamento com iniciativas internacionais de sustentabilidade como SAC, Biocalce, DOW Jones Sustainability Index e ISE-Bovespa e com isso busca que as empresas da cadeia produtiva da moda ampliem as suas oportunidades de exportação para países que possuem regulamentação orientada à aquisição de produtos sustentáveis. O certificado pode ser para a empresa em todos os processos da organização, apenas para os processos relacionados a uma determinada marca ou ainda para os processos fabris de alguma das unidades de um grupo empresarial.
O programa estabelece diferentes níveis de certificação de acordo com o número de indicadores atendidos.
Bronze - O percentual de aproveitamento deve ser maior/igual a 30% para Médias e Grandes empresas e maior/igual a 20% para Micro e Pequenas empresas, além de estarem em conformidade com todos os indicadores obrigatórios para o nível.
Prata - O percentual de aproveitamento deve ser maior/igual a 40%, além de estarem em conformidade com todos os indicadores obrigatórios para o nível. Ouro - O percentual de aproveitamento deve ser maior/igual a 60%, além de estarem em conformidade com todos os indicadores obrigatórios para o nível.
Diamante - O percentual de aproveitamento deve ser maior/igual a 80%, além de estarem em conformidade com todos os indicadores obrigatórios para o nível.
Couro brasileiro tem certificação própria
Aplicando para a indústria de curtumes o conceito do tripé da sustentabilidade em que são considerados os resultados de uma empresa em termos econômicos, ambientais e sociais, a Certificação de Sustentabilidade do Couro Brasileiro (CSCB) entende como um curtume sustentável aquele que desenvolve suas atividades com resultados econômicos, redução do impacto ambiental inerente de sua atividade, melhores condições de trabalho aos seus funcionários e respeito a comunidade na qual a empresa está inserida.
Apoiado pelo Centro das Indústrias de Curtume (CICB), uma das principais preocupações do programa é garantir aos compradores a certeza de que o couro com a certificação obedece aos mais abrangentes critérios de sustentabilidade. A certificação tem quatro categorias de certificação, cada uma correspondendo ao desempenho das empresas a partir da implantação do programa.
Bronze - empresas que atendem no mínimo a 50% dos indicadores aplicáveis de cada dimensão.
Prata - atendem a 75% dos indicadores aplicáveis de cada dimensão.
Ouro - atendem a 90% dos indicadores aplicáveis de cada dimensão.
Diamante - atendem a 100% dos indicadores aplicáveis de cada dimensão.
Com todo este cuidado o programa de certificação não se limita a garantir a eficiência da operação industrial, mas posiciona o couro brasileiro em um alto nível de excelência, capaz de conquistar e manter os mercados mais exigentes ante a certeza de que, desde a sua origem, passando pela produção e o produto final, foram observados os mais relevantes critérios sustentáveis.
Programa voltado ao varejo têxtil e seus fornecedores
O Programa ABVTEX representa o esforço setorial das redes varejistas para a implantação das melhores práticas de conformidade entre seus fornecedores e subcontratados. Lançado em 2010, e tendo um sistema de pontuação para três categorias (Bronze, Prata e Ouro) o programa foi uma resposta da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX) a favor do uso do trabalho digno na cadeia produtiva dos artigos de moda, e vem sendo aprimorado ao longo do tempo.
Entre as vantagens para as redes varejistas que ingressam no programa são associar a marca à ética, proteção dos direitos humanos, contra o trabalho análogo ao escravo/infantil e integrar uma iniciativa inovadora e reconhecida no Brasil; monitorar a cadeia de fornecimento por meio de auditorias realizadas por organismos certificadores qualificados e acesso à plataforma online para gestão da cadeia de fornecedores.
Para os fornecedores e seus subcontratados da cadeia têxtil e de confecções, os benefícios de ingressar no Programa ABVTEX são, por exemplo, habilitação para fornecer artigos de vestuário, calçados, acessórios, além de artigos têxteis para o lar para as redes varejistas signatárias; mitigação de riscos de passivos trabalhistas; melhoria no ambiente de trabalho e redução de acidentes; concorrência leal uma vez que todos os fornecedores e subcontratados auditados têm as mesmas condições de fornecer aos varejistas.
Ecossistema do couro tem compromisso com as boas práticas
Criado em 2005 para promover as melhores práticas e mudanças sociais e ambientais positivas para a produão responsável de couro, o Leather Working Group (LWG) é uma comunidade multissetorial global colaborativa entre marcas de calçados, roupas e estofados e fabricantes de couro, comprometida em construir um futuro sustentável.
Representando mais de 2 mil partes interessadas em mais de 60 países, o grupo trabalha no sentido de diminuir o impacto ambiental da produção de couro, promovendo maior rastreabilidade e transparência em toda a cadeia de suprimentos.
Maior eficiência de recursos na produção de couro; redução da geração de resíduos e emissões para o meio ambiente; melhor gerenciamento de produtos químicos e maior uso de produtos químicos não perigosos; avaliação dos riscos ambientais; melhores condições de trabalho; tratamento justo dos trabalhadores e o bem-estar animal são alguns dos aspectos abordados com a participação de fabricantes de couros, marcas, varejo, comerciantes de matérias-primas, fornecedores da indústria do couro, fabricantes de produtos acabados, ONGS e associações ambientais.
Reconhecida globalmente como padrão de certificação que representa o fornecimento responsável de couro para a indústria e para os consumidores a LWG lançou em novembro de 2021 o maior projeto de avaliação do ciclo de vida de todos os tempos para o setor, tendo como intuito investigar o impacto ambiental do couro produzido em instalações com certificação LWG de várias regiões do mundo. Esse projeto é um marco para ajudar marcas e varejistas a tomarem decisões de abastecimento com base científica e progredirem em direção da sustentabilidade da cadeia de suprimentos.
Com a implantação de um sistema de rastreabilidade em vários níveis, a promoção da gestão voltada à responsabilidade social e o gerenciamento responsável de produtos químicos está alinhado com vários dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e com as metas de gerenciamento de produtos químicos do Grupo ZDHC e da AFIRM em toda a cadeia de suprimentos estratégicos, a LWG busca garantir e demonstrar a integridade e a credibilidade da indústria coureira sustentável.
Cadeia têxtil busca o descarte zero de substâncias perigosas
Iniciado em 2011 por seis grandes marcas da indústria têxtil, com o intuito de melhorar a qualidade dos produtores, eliminando progressivamente o uso de substâncias perigosas para a saúde humana e ao meio ambiente, o programa Descarga Zero de Substâncias Perigosas (ZDHC) tem o foco voltado não só ao produto acabado, mas também para os processos de produção e a qualidade de efluentes, visando a mobilizar toda a cadeia da moda para o descarte zero de produtos químicos perigosos no meio ambiente, estabelecendo controles de entrada, de processos e de saída.
No Controle de Entrada, o programa lista uma série de substâncias restritas de manufatura (MRSL - Manufacturing Restricted Substances List), para evitar que substâncias químicas perigosas entrem na cadeia de abastecimento. No Controle de Saída, são estipulados os indicadores da qualidade do ar, dos efluentes e dos lodos gerados pelos processos, os quais possibilitam a avaliação da eficiência do Controle de Entrada. Já o Controle de Processo é o principal elo principal entre a Entrada e a Saída. O programa estabeleceu também um banco de dados de produtos químicos mais seguros, o ZDHC Gateway, criado para auxiliar os fabricantes têxteis e seus fornecedores a encontrarem soluções ambientalmente corretas para formularem seus produtos.
Ao eliminar ou substituir produtos químicos perigosos utilizados na fabricação de produtos para a indústria de vestuário e implantar um processo de triagem transparente para promover uma química mais segura, o ZDHC MRSL estabelece limites de concentração em uma formulação química de substâncias consideradas perigosas. Se um produto exceder o limite, não pode ser considerado compatível com o programa.
Fabricantes ajustam a cadeia de fornecedores
Outra orientação sobre o uso de substâncias restritas é o grupo AFIRM - Apparel and Footwear International RSL Management Group. Liderado por grifes globais como Adidas, Asics, C&A, Hugo Boss, Lacoste, Levi Strauss & Co., Mizuno, Nike, Puma e Victoria’s Secret & Co. O grupo foi criado para diminuir o uso e o impacto de substâncias nocivas para a saúde humana e o meio ambiente na cadeia de suprimentos de vestuário e calçados.
Reconhecido pelo avanço contínuo em busca das melhores práticas de gerenciamento de produtos químicos, o AFIRM se empenha para criar uma química mais segura e sustentável ao longo do sistema de fornecimento para as indústrias de vestuário e calçados. As orientações são para que a segurança dos produtos químicos seja entendida na cadeia de abastecimento global como um todo integrado, desde o local de trabalho até o consumidor. Essa segurança é alcançada por meio de parcerias entre varejistas, fornecedores e fabricantes, na qual os varejistas devem incentivar a autogovernança de seus fornecedores de produtos acabados e dos fabricantes de componentes e de produtos químicos.
Como cada país ou região tem seus próprios regulamentos químicos específicos, o AFIRM se baseia na regulamentação vigente mais rigorosa globalmente e, em muitos casos, inclui produtos químicos adicionais ou estabelece limites ainda mais rígidos para promover as melhores práticas e promover o avanço da indústria.
Solução de gargalos e melhorias na governança
O engenheiro ambiental e administrador de empresas Carlos Tavares é um consultor independente que assessora curtumes na obtenção da certificação por meio de todo planejamento e preparação e concluindo com a auditoria realizada por profissionais credenciados. De acordo com ele, a proposta do LWG, além de apresentar e incentivar os curtumes a adotarem as melhores práticas ambientais, também aborda outros temas importantes para o setor, como gestão dos produtos químicos e das substâncias restritas e rastreabilidade. Na sua percepção, um grande desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre as demandas dos clientes e as possibilidades do curtume. “Um exemplo disto é quanto à rastreabilidade. Desde 2010, após a publicação do relatório Slaughtering the Amazon pelo Greenpeace, a rastreabilidade foi incluída como critério de auditoria e o nível de exigência é sempre incrementado a cada nova versão, e o curtume precisa replanejar as ações para poder atender”, destaca.
As análises de substâncias restritas iniciaram de uma forma simples abrangendo no mínimo três principais artigos, mas na versão atual incluem uma série de determinações para minimizar a presença de Cr (VI). Outro exemplo é o alinhamento do LWG com o Programa ZDHC - Zero Discharge of Hazardous Chemicals, estabelecendo que produtos químicos utilizados nos processos de fabricação devem demonstrar a conformidade com a Manufacturing Restricted Substances List (MRSL), que é uma lista de substâncias restritas e com limites coerentes.
Lembrando que o crescimento da certificação LWG é exponencial em todas as partes do mundo, Carlos comenta que, no Brasil, existem atualmente mais de 110 empresas certificadas e isso demonstra a aceitação da certificação.
O também consultor, Paulo Model, que atua no Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC), o qual conta com uma equipe de profissionais para atuarem na qualificação das empresas, comenta sobre a certificação de responsabilidade social ABVTEX instituída por grandes magazines. O IBTeC faz a adequação para a certificação e quem certifica são outros organismos independentes. Somente em 2022, o instituto trabalhou na adequação de cerca de 80 empresas de base, que são fornecedoras de fabricantes de calçados, e neste ano novas empresas estão buscando esta adequação. “O objetivo é proporcionar aos grandes varejistas garantias de que os fabricantes dos produtos que eles colocarão nas prateleiras e cabides de suas lojas estão alinhados com as boas práticas relacionadas, por exemplo, com as questões trabalhistas, cumprindo todas as determinações legais, erradicando o trabalho infantil e situações análogas ao trabalho escravo em toda a cadeia, também respeitando as legislações ambientais e têm uma boa gestão tanto dos processos produtivos, quanto das questões de governança.”
É uma lista de controle de mais de 500 itens, e para cada área existe um consultor credenciado para atuar na orientação das empresas em processo de certificação, como o engenheiro de segurança, por exemplo, que fiscaliza as instalações e o uso dos equipamentos de segurança, entre uma série de itens. Já o especialista em legislação trabalhista investiga, por exemplo, os contratos e as condições de trabalho; ou ainda o consultor que verifica se as licenças ambientais estão todas em dia, além de uma série de outros fatores. “É um projeto que melhora muito a organização da empresa como um todo”, reforça o consultor, lembrando que um dos quesitos que a ABVTEX não aceita é a quarteirização dos serviços, para evitar a precarização do trabalho.
Paulo lembra que o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) é um grande parceiro dessa certificação, oferecendo subsídios na ordem de 60% dos investimentos necessários para que os pequenos negócios possam também se adequarem às regulamentações e consigam oferecer seus serviços e produtos para as grandes empresas. E no Rio Grande do Sul, além de apoiar no processo de adequação, o Sebrae também aporta recursos na ordem de 60% para o custeio da certificação, que não é feita pelo IBTeC, mas por alguma empresa certificadora, como SGS, Bureau Veritas, ABNT, por exemplo.
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