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Análise comparativa do ângulo de pronação em calçados de EPI

CUNHA, Beatriz1; STONA, Hygor1; WILBORN, Juliana1; BOEIRA, Denise1 e WÜST, Eduardo1

1 Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC)

Resumo

O presente trabalho descreve aspectos gerais dos calçados de EPI (calçados de segurança) e compara a evolução do ângulo de pronação ao longo de dois anos de pesquisa no IBTeC a fim de avaliar a influência desse parâmetro nas características biomecânicas e no conforto. Também se descreve a importância de produzir calçados de EPI com ângulo de pronação adequado, de modo a torná-lo estável e confortável. A pronação excessiva é um problema muitas vezes induzido pelo calçado. Através dos resultados, é notório um aumento de 7% do Índice de Pronação (IP) nos modelos de cano alto. Em relação aos modelos de cano baixo, observou-se um aumento de 3% com o passar do ano, sendo que ambos os aumentos não apresentam caráter significativo.

Palavras-chave: calçados de segurança, pronação, características biomecânicas, conforto

Abstract

This present work describes general aspects of EPI footwear (safety shoes) and compares the evolution of the pronation angle along two years of research at IBTeC in order to evaluate the influence of this parameter in biomechanical characteristics and comfort. In addition, it describes the importance of producing EPI footware with stable and confortable pronation angle. Pronation is a very common problem and sometimes the footwear induces it. Through the obtained results, it can be noticed an increase of 7% on the pronation angle on high EPI footware. On regular EPI, it was possible to observe an increase of 3% as the passage of the years; also, both models does not show significant increase.

Keywords: safety shoes; pronation; biomechanical characteristics, comfort

1. Introdução

Em diversos ramos da indústria, o calçado de segurança é um EPI (Equipamento de Proteção Individual) obrigatório, previsto por lei e regulamentado por normas aprovadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que garante a segurança do trabalhador; nos últimos anos houve uma crescente melhora nos calçados EPI em relação à utilização de novos materiais, garantindo mais leveza e mais resistência, bem como a manutenção da temperatura interna, favorecendo a segurança e conforto.


As empresas parceiras do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC) realizam testes de conforto normatizados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT); muitas dessas empresas possuem um catálogo amplo de calçados EPI em função do tipo de atividades a que se destinam. Assim, cada tipo de calçado EPI possui especificações requeridas para as necessidades das atividades a que se designam.

No quesito conforto, as normas ABNT 14834 a 14840 regulamentam uma série de testes que abrangem desde o ângulo de pronação à distribuição da pressão plantar, passando por medidas de temperatura e umidade internas ao calçado até o índice de amortecimento, medido por plataformas de força. O ângulo de pronação é um dos parâmetros avaliados pelos testes propostos pela norma ABNT 14839. Para melhor entender a pronação, vamos antes apresentar uma série de considerações.

Tipos de Pé

O pé pode ser classificado em relação à estrutura do arco plantar, enquadrando-se em (a) normal, (b) plano e (c) cavo, conforme mostra a Figura 1.

O pé é considerado cavo quando há a presença de um arco plantar longitudinal medial alto, enquanto que o pé plano apresenta desabamento dessa estrutura, resultando em um maior contato da superfície plantar com o solo.


Figura 1 - Tipos de pé

Tipos de Pisada

O tipo de pisada refere-se ao movimento que o pé realiza durante a marcha humana, podendo ser classificado como uma pisada pronada, neutra ou supinada, conforme Figura 2.


Figura 2 - Tipos de pisada


O movimento de pisada neutra se caracteriza pelo contato dos pés de maneira uniforme ao solo, sendo o peso distribuído de modo praticamente igual, favorecendo a absorção do impacto pelo corpo. A pisada supinada consiste em um movimento acentuado externo, ou seja, o tempo de contato/área da região lateral do pé é maior. Já em relação à pisada pronada, a fase de contato medial do pé é mais excessiva.


O movimento de pronação contribui no mecanismo de absorção de impacto, que age de forma combinada com outros mecanismos do corpo diminuindo as tensões sobre algumas estruturas articulares, com um nível de impacto adequado, sem provocar micro traumatismos (OLIVEIRA, DETONI, FERREIRA, PORTELA, QUEIROGA e TARTARUGA, 2012). Na realidade, a pronação é resultado de um movimento complexo: translação e rotação em torno do plano posterior do tornozelo e ainda outra rotação (vertical) em torno da tíbia.


Os movimentos do corpo são fortemente dependentes uns dos outros, sendo assim o tipo de pisada excessiva do indivíduo acarreta em desalinhamentos articulares tanto no tornozelo quanto no joelho. Tem sido sugerido que a síndrome de dor patelo-femoral, síndrome do tibial posterior, fascite plantar e a tendinite do tendão de Aquiles estão associados com o movimento excessivo do pé (JAMES, BATES e OSTERNING, 1978; HINTERMANN e NIGG, 1998; CHEUNG, NG e CHEN, 2006). O tipo de calçado, bem como os componentes e o formato do mesmo, são fatores importantes para a prevenção de lesões. Foi comprovado no estudo de Malisoux et al. (2016) que o uso de calçados que controlam a pronação do retropé diminui expressivamente a prevalência de lesões. Em contra partida, calçados que induzem a pronação (overpronação) tendem a aumentar a probabilidade de lesões/desconforto ao usuário.


Contudo, quantificar o movimento do pé durante a marcha não é uma tarefa simples. Para tanto, utiliza-se o ângulo máximo do pé em relação ao solo, bem como a variação do ângulo inicial de contato e o final, para obtenção de um Índice de Pronação (IP) e posterior classificação de conforto do calçado.

2. Materiais e métodos

2.1 - Equipamentos utilizados

• 2 câmeras de 200 fps;

Software de aquisição de dados desenvolvido pelo IBTeC e calibrado por órgão credenciado junto ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro);

• Sistema de iluminação com lâmpadas de LED;

• Sistema de eixos para calibração (calibra-se o conjunto software + hardware);

• Marcador para adaptação ao calcanhar (triângulo com marcadores reflexivos);

• Sistema micrométrico (traçador de altura) para determinação da posição do triângulo no calcâneo;

• Esteira ergométrica com velocidade ajustável.

2.2 - Metodologia

• Ângulo Inicial (AI): ângulo de inclinação do calcâneo/calçado no instante em que ocorre o contato do pé com a superfície de apoio, onde o mesmo é medido através de uma referência fixada na região posterior do calcâneo e do calçado;

• Ângulo Máximo (AM): ângulo máximo de inclinação do calcâneo/calçado, medido nos 80ms inicias da passada (±5%) após o contato do pé ou calçado com a superfície de apoio;

• Ângulo de Pronação Descalço (APD): ângulo definido pela diferença entre o ângulo inicial (AI) e o ângulo máximo (AM) para a situação descalça (APD = AI – AM);

• Ângulo de Pronação do Calçado (APC): ângulo definido pela diferença entre o ângulo inicial (AI) e o ângulo máximo (AM) para a situação com calçado (APC = AI – AM);

• Índice de Pronação (IP): índice de pronação ocasionado pelo calçado e é definido pela variação entre o ângulo de pronação calçado (APC) e o ângulo de pronação descalço (APD) (IP = APC – APD).

Após adaptação do modelo na esteira, inicia-se a gravação de imagens por meio do sistema de cinemetria; a velocidade é de 5km/h ± 5% (masculino) e o tempo de aquisição de dados é de aproximadamente 30s. Cada parâmetro é obtido em função dos valores calculados (cerca de 20 valores a cada 30s) a partir da média e desvio padrão. O procedimento é realizado para o número total de calçados de um mesmo modelo, sendo assim um valor de índice de pronação é obtido através de um valor médio. Se o Índice de Pronação (IP) for inferior ou igual a 3,0°, o calçado é considerado confortável. Se o mesmo se encontrar entre o intervalo de 3,1° até 6,0° o calçado é considerado normal e se for maior do que 6,0°, considera-se desconfortável por pronação excessiva.

3. Resultados e conclusões

Através da análise dos índices de pronação para aproximadamente 140 pares de calçados de EPI, sendo eles de cano alto (superior a 10cm) e cano baixo (inferior a 10cm), entre os anos de 2018 e 2019, observa-se através da Figura 3 a disposição do índice de pronação dos calçados. Diante dos resultados, observa-se um aumento de aproximadamente 7% do IP nos modelos de cano alto. Em relação aos modelos de cano baixo, observou-se um aumento de aproximadamente 3% entre os anos, sendo que ambos os aumentos não apresentam incremento significativo.


Figura 3 - Índices de pronação

Os resultados apresentados na Figura 3 demonstram a importância do calçado frente à estabilidade do pé durante o movimento. Sabe-se que índices de pronação até 3,0° caracterizam um calçado estável e, consequentemente, seguro para o usuário, influenciando assim no desempenho de suas atividades profissionais.

Bibliografia

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3. Holman, J.P., Experimental Methods for Engineers, Ed. McGraw-Hill, 1994.

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