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A influência da densidade do solado e sua relação com a locomoção

PALHANO, Rudnei1; WÜST, Eduardo1 e VARGA, Ademir Paulo¹

1. Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC)

Crédito: Divulgação/IBTeC

Resumo

A crescente busca por novos materiais, com baixo custo e que auxiliem na performance humana, é um incentivo para os pesquisadores e para a indústria calçadista. O calçado deixou de ser acessório e tornou-se uma proteção para o sistema musculoesquelético, tendo como principal objetivo o conforto. Este trabalho tem como objetivo verificar a influência da propriedade mecânica do solado, em especial a densidade, e a sua relação com a locomoção humana. Os materiais foram caracterizados segundo a sua densidade e a acelerometria. Os sujeitos caminharam em uma passarela na velocidade de 5 km/h e utilizaram calçados com diferentes solados, a sequência foi realizada randomicamente. Os resultados dos ensaios evidenciaram que a densidade tem influência direta na vibração transmitida ao sistema musculoesquelético.


Palavras-chave: densidade, solado, calçado, biomecânica, vibração


Abstract

The growing search for new materials, with low cost and to as- sist in human performance is a pursuit for researchers and for the footwear company. The footwear is no longer an accessory and is a protection for the musculoskeletal system, and the main more important characteristic is the comfort. The aim this study was to correlate the mechanical properties with vibration transmitted by musculoskeletic system. The tests were performed with a shoe with different materials heel soles. The materials were characterized by density and accelerometry. The subjects walked at a walk at the speed of 5 km/h and used shoes randomly. The results showed cor- relate between density and vibration during the walking.


Introdução

Nas atividades humanas, o pé interage diretamente com a superfície, transmitindo ao corpo as forças geradas pelo solo. Os autores, Winter et al., (1991), Bruneira e Amadio (1993), relatam que a marcha é um movimento extremamente complexo. Apesar da complexidade dos eventos, a marcha pode ser caracterizada por movimentos uniformes, regulares e repetitivos (VAUGHAN, 2003). A marcha humana descreve uma série de eventos complexos em todos os segmentos corporais e para analisar os diferentes aspectos é essencial identificar e descrever os eventos relacionados a cada etapa. A marcha é uma combinação de força muscular, movimento das articulações entre outros. Para Perry (2005), o objetivo básico do sistema locomotor é o deslocamento do corpo para frente com o mínimo de energia possível. Enoka (2000) define a marcha como uma forma de progressão bípede a qual envolve uma sequência alternada dos membros apoiados ao solo. Uma das capacidades do ser humano é o deslocamento, sendo que cada pessoa se habitua a desenvolver de acordo com as necessidades. Perry (2005) destaca que para ocorrer o deslocamento é necessária uma sequência repetitiva de movimento dos membros; sendo um dos requisitos importantes no andar bípede. A marcha humana é determinada por ciclos repetitivos de passos e passadas, sendo o ciclo da marcha também denominado de passada.


De acordo com Soderberg (1990), o ciclo da marcha é determinado pelo início de um evento, por exemplo, no toque do calcanhar até que o mesmo calcanhar volte a tocar na superfície do solo novamente. Já para Nordin e Frankel (2001), um ciclo completo da marcha é composto por uma fase de apoio e uma fase de oscilação do membro. A passada é subdividida em passos, um passo consiste na sequência de eventos entre o primeiro contato de um pé e o primeiro contato do pé contralateral com o solo (Figura 1).


Figura 1: Comparação entre um passo e passada.


Os membros inferiores têm movimentos oscilatórios periódicos e a força do solo aplicada às pernas projeta o corpo para frente. Perry (2005) afirma que, na transferência da massa, ambos os pés se encontram em contato com o solo, com isto se definem no ciclo da marcha dois períodos. Segundo a autora, uma fase de apoio que consiste no momento em que o pé se encontra em contato com a superfície e fase de balanço, termo designado no momento em que o pé está no ar para avanço do membro (Figura 2). Durante a fase de apoio, o pé toca a superfície de contato e para a fase de balanço o pé está suspenso no ar sem nenhum contato com a superfície. Neste instante o pé está em oscilação preparando para o próximo contato com a superfície.


Figura 2: Comparação entre as fases de apoio e de balanço.


Sammarco e Hockenbury (2003) dividem a fase de apoio ou fase de suporte como sendo toque do calcâneo, pé planado, elevação do calcâneo e inversão. Nesta fase exigem-se algumas funções nas quais Perry (2005) destaca a absorção do choque, estabilidade inicial do membro e preservação da progressão. Na fase de suporte durante a marcha, o instante em que o pé toca o solo determina o padrão de resposta à carga do membro, também na fase de apoio é determinado o duplo apoio terminal, momento em que o pé oposto eleva-se para a fase de balanço. Durante a marcha humana, no final da fase de balanço e início da fase de apoio, Nordin e Frankel (2003) determinaram que o contato inicial da fase de apoio é o instante que o calcâneo entra em contato com o solo. Durante o contato inicial do calcâneo, se determina a quantidade da força peso no decorrer do tempo. Perry (2005) conceitua a taxa de aceitação do peso, sendo uma norma específica para análise de absorção de impacto da massa corporal.


A resposta à carga é determinada pelo instante que a planta do pé entra em contato com o solo e o peso corporal é aceito pelo membro. É neste momento que ocorre o impacto durante a marcha. Na resposta à carga, o calcâneo é utilizado como rolamento enquanto o peso é transferido para o pé contralateral no instante em que o pé oposto está na fase de pré-balanço. Sammarco e Hockenbury (2003) afirmam que no toque do calcâneo até a resposta à carga ocorre uma eversão da articulação subtalar, ou seja, ocorre a pronação. A articulação everte em parte, sendo que o ponto de contato do calcâneo é lateral ao centro da articulação do tornozelo, fazendo um valgo forçado na articulação subtalar. A utilização de calçados com atributos de conforto é um fator determinante para minimizar as forças de reação do solo transmitidas para o sistema musculoesquelético.


Os calçados foram criados a partir da constante busca do ser humano de atender suas necessidades básicas de sobrevivência, sendo um meio de proteger os pés e atuar como elemento de conforto. A busca pelo incremento do conforto, aliado a um design moderno e dentro de padrões que respeitem as características individuais vem sendo um trabalho complexo para pesquisadores e indústrias do setor calçadista. Durante anos o calçado passou por muitas transformações tendo como função principal a proteção dos pés, no que se referem à temperatura e irregularidades da superfície entre outros agentes externos (VILADOT, 1989).


Vários são os fatores que contribuem para uma melhor adaptação dos pés aos diferentes modelos de calçados; um dos principais fatores é a absorção do choque (impacto) durante a marcha (AVILA, 2001). Durante a realização da marcha humana o solado tem fator determinante na absorção de impacto, sendo que uma das principais funções é diminuir a intensidade das forças resultantes provenientes do solo. Durante a realização da marcha humana o solado tem fator determinante na absorção de impacto, sendo que uma das principais funções é diminuir a intensidade das forças resultantes provenientes do solo. As empresas calçadistas têm empregado conhecimentos oriundos de pesquisas realizadas para a produção de calçados eficientes, confortáveis e específicos para determinada finalidade, agregando qualidades e valor agregado ao produto. Durante a marcha humana, o solado do calçado é a única parte que está em contato direto com o solo. Segundo Cheskin e colaboradores (1997), o solado tem a função de determinar o coeficiente de atrito entre o calçado e o solo, proporcionar flexibilidade, durabilidade e absorver o impacto. Segundo Verdejo (2003), as matrizes sólidas poliméricas são classificadas em três tipos: elastômeros, termofixos e termoplásticos. Essas três bases poliméricas apresentam diferentes propriedades, como por exemplo, os elastômeros que são elásticos que podem sofrer largas deformações e recuperarem sua forma original depois que a carga for retirada; já os termofixos são rígidos e não apresentam as mesmas propriedades de restituição que os elastômeros. O solado pode ser fabricado por diferentes componentes, como por exemplo, de polímeros que apresentem duas espumas com densidades diferentes, ou a combinação de espuma e gel ou ainda de espuma e bolhas de ar. Para Verdejo & Mills (2004), os principais objetivos do solado são reduzir a onda de choque provinda entre a colisão do pé e o solo, e proporcionar estabilidade e conforto durante o movimento.


Este trabalho tem como objetivo verificar a influência da propriedade mecânica do solado, em especial a densidade, e a sua relação com a locomoção humana.


Material e Método

Participaram deste estudo 11 voluntários do gênero masculino. Com idade superior a 18 anos, residentes na região do Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul. A escolha dos participantes foi pelo processo não-probabilístico do tipo intencional, sendo que os sujeitos foram selecionados através de abordagem direta e foram excluídos os indivíduos que apresentaram histórico de lesões ou alterações neuro-músculo-esquelético e/ou submetidos a cirurgias ortopédicas/neurológicas nos últimos dois anos. Este estudo foi caracterizado como correlacional. Foram utilizados calçados com solados de diferentes densidades e materiais inseridos na região do calcanhar. A densidade dos solados foi determinada através do método dimensional, segundo a Norma NBR 14453:2005. Este método é utilizado para materiais celulares pelo fato da densidade ser calculada com o volume do material expandido, na qual é medida pela dimensão da amostra de espuma e sua massa. A densidade é calculada pela razão entre a massa e o volume da amostra, com incerteza de 0,08 g/cm3. Para a determinação das variáveis biomecânicas, foi utilizado um acelerômetro da marca B&K, com fundo de escala de ±24g (1g = 9,8m.s-2), sensibilidade de 952,1 mV/g, sensibilidade transversal <5%, faixa de frequência de 0,4 Hz a 6kHz. Condicionador de sinal Endevco, modelo 4416B, placa conversora A/D Lynx CAD12/32, 12 bits, com taxa de aquisição de 2kHz. Os acelerômetros foram fixados na região medial da tíbia e na região lateral/inferior do calçado (solado). Já para o controle da velocidade durante a marcha foi utilizado um conjunto de quatro fotocélulas (transmissor e receptor) e um cronômetro. Os pares de fotocélulas foram dispostos a uma distância de 3 metros entre elas. O sistema de fotocélulas é acionado no momento que sujeito passa no primeiro par de sensores, considerando o tempo inicial e, no momento que o sujeito passa no segundo par de sensores, é marcado o segundo tempo. Através do tempo (forma indireta) é determinada a velocidade média do sujeito ao longo dos 3 metros. Foram consideradas válidas todas as velocidades que estivessem em 5 km/h ±5%.


As variáveis utilizadas neste trabalho consistem em: determinação da densidade dos diferentes solados e a determinação da vibração. Para a determinação da correlação foi utilizado a Correlação de Pearson.


Resultado e Discussão

Os resultados provenientes das diferentes densidades dos solados, são apresentados na Tabela 1.


Tabela 1: Densidade dos materiais analisados


Quando analisamos os resultados da Tabela 1, observa-se que a vantagem das espumas termoplásticas (por exemplo, o EVA) é apresentar baixa densidade, leveza, flexibilidade, resistência a baixas temperaturas, características do material A. Já o termofixo (por exemplo, o PU) tem a vantagem de ser injetado diretamente no cabedal, geralmente são utilizados na área de equipamentos de proteção individual. Os PUs apresentam baixas densidades/durezas devido aos agentes de expansão e aos extensores de cadeias. Estes possuem ainda, alta resistência ao desgaste por abrasão e resistência à fadiga por flexão. Os elastômeros (SBR) possuem altas densidades e durezas, apresentam ainda boa capacidade de resistência à abrasão, esta característica é observada no material D até o E. Por fim, um material confeccionado por poliuretano termoplástico (TPU), apresenta alta densidade/dureza e tem como característica alta resistência ao rasgo, à fadiga por flexão e à perda por abrasão (CTCCA, 2002). Para Verdejo & Mills (2004), o módulo de elasticidade do EVA aumenta com a densidade do material e, ainda, existem diferenças nas densidades entre os calçados, isto é, um calçado com maior numeração possui maior densidade no solado, visto que necessita sustentar maior massa do sujeito. Com esta variação de resultados encontrados na densidade, verificou-se ainda a correlação com a vibração (calçado e tíbia) durante o caminhar. A Tabela 2, apresentou as diferenças significativas na correlação entre a densidade e a vibração.


Na Tabela 2, observa-se correlação forte e significativa para as variáveis analisadas, ou seja, os resultados apresentaram correlação direta entre as variáveis. Com o aumento da densidade ocorre o aumento na transmissibilidade da vibração distribuída para o sistema músculo-esquelético e da taxa de carregamento da vibração no calçado. A transmissibilidade e a taxa de carregamento da vibração estão relacionadas à capacidade do calçado (solado) absorver/reduzir o impacto gerado durante a marcha, ou seja, neste estudo observa-se que a densidade aumenta a transmissibilidade e a taxa de carregamento. Este aumento pode ocasionar, além de desconforto durante o uso prolongado do calçado, a possibilidade de desenvolver possíveis degenerações nas articulações/lesões.


Conclusão

Em conclusão, este trabalho apresentou as variações de densidades encontradas em diferentes tipos de calçados e a sua relação com uma variável biomecânica. Dentre as variáveis analisadas, encontrou-se correlação direta da densidade dos materiais e a sua relação de transmissibilidade e taxa de carregamento.


Através dos resultados encontrados, podemos dizer que a densidade influenciou na variável força de reação do solo, que consequentemente tem relação direta com o impacto, interferindo na performance do calçado. Por fim, conclui-se que quando mais denso for o solado maior a vibração transmitida ao sistema musculoesquelético.


Sugerimos que os próximos estudos relacionados ao tema, mais variáveis mecânicas e biomecânicas sejam analisadas e estudadas, assim como as suas relações com os materiais do calçado.


Bibliografia

BRUNEIRA, C. V.; AMADIO, A. Análise da força de reação do solo para o andar e correr com adultos normais do sexo masculino durante a fase de apoio. Anais do V Congresso Brasileiro de Biomecânica. p.19-24, 1993. CHESKIN, M. P.; SHERKIN, K. J.; BATES, B. T. The complete handbook of athletic footwear. Fairchild Publications. 1987.CTCCA - Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins. Materiais para calçados: solados e palmilhas de montagem. 2002ENOKA, R. Bases Neuromecânicas da Cinesiologia. São Paulo: Manole, 2000.NORDIN, M.; FRANKEL, V. Biomecânica básica do sistema musculoequelético. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.PERRY, J. Análise de Marcha. Barueri, SP: Manole, v.1, 2005SAMMARCO, G. J.; HOCKENBURY, R. T. Biomecânica básica do sistema músculoesquelético. Guanabara Koogan S. A., 2003.VERDEJO, R. Gas loss and durability of EVA Foams used in running shoes. Tese da universidade de Birmingham. Engenharia metalurgia e materiais, 2003.VERDEJO, R.; MILLS, N. J. Heel-shoe interactions and the durability of EVA foam running-shoe midsoles. Journal of Biomechanics. v.37, p.1379-86, 2004.WINTER, D.A. The biomechanics and motor control of human gait: normal, elderly and pathological. 2. ed., Canada: Waterloo Cover, 1991.

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