Luís Vieira
Tendo entre os propósitos aumentar a autonomia dos processos e também reduzir o esforço humano com a utilização de máquinas, softwares e equipamentos, a automação industrial permite ainda diminuir custos de energia, tornar mais eficiente o uso de matérias-primas, otimizar etapas da produção, reduzir a geração de resíduos e melhorar as condições de segurança tanto para os trabalhadores quanto para o armazenamento e o fluxo de informações.
Embora existam empresas que operam totalmente automatizadas, hoje, o mais usual nas indústrias brasileiras do setor de transformação é aplicar este avanço tecnológico em um ou alguns processos. Segundo Edgar Garcia, diretor comercial da UiPath para a América Latina, organização líder global em automação de processos robóticos, as indústrias 100% automatizadas se caracterizam pela substituição da mão de obra por robôs e pela inteligência artificial (IA) em cada processo, se diferenciando das empresas tradicionais pela abordagem proativa para a automação. “A abordagem proativa é aquela que planeja a aplicação da automação no processo que faz mais sentido, ou seja, onde a tecnologia pode exercer o maior impacto, encontrando equilíbrio entre o que os robôs de software fazem e o que os humanos são liberados para se concentrar”, explica.
Os benefícios dessa abordagem, segundo Edgar, perpassam pelo menos três grandes ganhos: maior desempenho, retorno sobre o investimento e competitividade. Para exemplificar, ele cita um relatório recente da multinacional francesa Capgemini, que está entre os maiores fornecedores mundiais de serviços de consultoria, tecnologia e terceirização, demonstrando que os 20% das empresas com melhor desempenho em sua pesquisa sobre automação estão obtendo consideravelmente mais retornos de negócios do que os 20% inferiores. Em outras palavras, o dinheiro investido em automação gera mais receita.
Já nos quesitos competitividade e desempenho, embora muitas organizações agora reconheçam o valor das tecnologias de automação individuais, empresas totalmente automatizadas estão colhendo benefícios ao combiná-las. De acordo com a Harvard Business Review, aquelas que já combinam a automação de processos robóticos com a inteligência artificial, por exemplo, tiveram um aumento médio de 9% na receita, enquanto as empresas que não os combinaram registraram ganhos de apenas 3%.
Os quatro pilares de uma empresa totalmente automatizada, segundo a UiPath
- Atribuição do trabalho burocrático (tarefas repetitivas) a robôs de software. Para se ter uma ideia, um estudo da empresa de consultoria empresarial americana McKinsey mostra que, só nos EUA, cerca de 2,6 trilhões de horas de trabalho por ano são automatizadas; e trinta por cento das atividades em quase dois terços de todos os trabalhos são automatizáveis.
- Possibilidade de oferta de um robô para cada pessoa na empresa - no relatório da IDC Um robô para cada trabalhador, 71% dos funcionários relatam se sentirem otimistas sobre como a automação afetaria seu trabalho diário. Além disso, 80% dos tomadores de decisão que adotaram a automação ofereceram a seus funcionários as ferramentas para ajudá-los a automatizar seu trabalho - provavelmente alimentando esse otimismo.
- Democratização do desenvolvimento para que usuários avançados possam se tornar também desenvolvedores da automação, capazes de construir suas próprias ideias.
- Aplicação da IA a todas as facetas do trabalho, expandindo a pegada da automação em processos cognitivos. A IA adiciona automações cognitivas que exigem julgamentos que os robôs normais não podem fornecer. Os robôs usam modelos de aprendizado de máquina ou habilidades em tempo real para automatizar processos cada vez mais sofisticados, expandindo o universo da automação.
A Revista Tecnicouro buscou saber como de fato a automação é aplicada hoje no sistema coureiro-calçadista. Para isso, ouviu os presidentes de duas entidades setoriais: Abra- meq, que representa fabricantes de máquinas e equipamentos, e Abicalçados, representante das indústrias de calçados, além de três empresas fabricantes de tecnologias para a produção e três marcas de calçados - uma feminina, uma infantil e uma de segurança e proteção.
André Nodari, presidente da Abrameq
A produção do calçado, explica André Nodari, é dividida em operações setoriais, com alguns processos operacionalmente independentes, por exemplo o setor de cortes; outras, como a preparação e a costura, podem ser compostas ou não, dependendo do tipo de produto; num terceiro grupo estão as realizadas sequencialmente, desde a conformação até o acondicionamento do sapato na caixa, para o despacho. E é nesta linha sequencial que existem muitas operações possíveis de serem automatizadas.
Sistemas de Autorregulagem
Quando o sapato entra no processo produtivo, alguns equipamentos automaticamente já adequam as regulagens ao produto, em outros casos, cabe ao operador informar as características do sapato para as máquinas, que se autorregulam para realizarem a operação. “Neste caso, podemos mencionar equipamentos e sistemas que já possuem um alto nível de automação, como trilhos transportadores e máquinas para montagem de base e enfranque, que reduzem de quatro para duas as operações em comparação com máquinas convencionais”, exemplifica.
Entre vários outros equipamentos que viabilizam ganho em processos e qualidade operacional, se destacam as máquinas para montar bico com sistema 4.0, que ao receberem informações sobre as características do tipo de sapato a ser montado, automaticamente fazem a regulagem recomendada. O que, além de proporcionar considerável ganho de tempo, garante o ajuste com precisão e repetibilidade que resultam em qualidade, facilidade e agilidade, principalmente se tratando de produção de pequenos lotes.
Apesar dos benefícios, ainda são vários os argumentos sobre a dificuldade de implantação de automação na indústria de calçados. Variação de fôrmas, modelos e materiais, lotes de produção muito pequenos, necessidade de treinamento de pessoas, ritmo de produção e do próprio tempo de regulagem das máquinas muito variáveis são alguns exemplos para essa resistência.
Ainda assim, de forma lenta mas evolutiva, está acontecendo uma quebra deste paradigma no setor. Em algumas empresas ela acontece pontualmente em determinadas operações ou processos, em outras, de maneira mais interativa em setores específicos ou em conjuntos de operações. Essas empresas, conforme André Nodari, já observaram vantagens e benefícios gerados. Entre eles, ritmo de produção, rapidez e repetibilidade operacional dos equipamentos. “A empresas que já quebraram este paradigma estão se destacado de forma flagrante no mercado, no que se refere a competitividade de preços, padrão da qualidade do produto e também na capacidade e versatilidade de se adequarem rapidamente às variáveis impostas pelo mercado, tendo rapidez e pontualidade no cumprimento dos compromissos de entrega”, considera o executivo.
Tecnologias disponíveis
O diretor da indústria de máquinas Master, André da Rocha, destaca que a necessidade da automação tem dois motivos principais. Um deles é a dificuldade de as empresas contratarem trabalhadores capacitados, juntamente com a tendência de aumento do custo da mão de obra para a indústria.
O outro é a complexidade de alguns processos, que exigem muito treinamento e experiência do trabalhador, como por exemplo as etapas de costura, montagem e aplicação de adesivo, e também a repetibilidade, pois afeta a qualidade do produto. Além de oferecer soluções em automação, a Master implantou em sua própria planta fabril alguns sistemas automatizados, como corte a laser, processos administrativos e integração de sistemas. “O maior investimento para automação está na equipe, pois precisa um ajuste grande da cultura organizacional para estar aberta às mudanças, aceitar o erro como parte do processo de evolução e entender que o ‘novo’ nunca está completamente pronto”, considera.
A empresa oferece vários equipamentos com nível alto de automatização que buscam o aumento da produtividade e da qualidade dos processos. Para o segmento de calçados, eles são utilizados na linha de montagem, como o trilho que se ajusta conforme a necessidade de produção e monitora o resultado online, além de secadores e reativadores com autoajuste conforme a temperatura definida. No caso do couro, são linhas de acabamento com controle da pintura conforme a geometria da pele e monitoramento do processo para avaliar a performance.
Resistência ao novo
Hoje, na opinião de André Rocha, já seria tecnicamente possível automatizar 100% da linha de produção de uma indústria calçadista, pois as tecnologias estão disponíveis, mas ainda existem barreiras econômicas e culturais para que isso aconteça de fato. No aspecto econômico, em alguns processos e operações, as tecnologias disponíveis ainda não são economicamente viáveis, como exemplo o serviço de movimentação de almoxarifado, devido à diversidade de materiais. Já as barreiras culturais estão relacionadas aos valores, crenças e ações que definem a forma como as organizações conduzem seus negócios. “Há um dito popular que o ‘sapateiro enxerga com as mãos’, ou seja, precisa da concretude para avaliar o resultado do trabalho. Num mundo em acelerado processo de digitalização o tangível precisa ser substituído pela abstração, o que demanda tempo e dedicação para desenvolver. Como o calçado é um produto de moda, a diversidade também exige constante ajuste nos processos, o que é, aparentemente, mais fácil quando feito manualmente, apesar de perder consistência”, salienta.
Master DryLink com novo sistema de comando
Lembrando que a automação já é uma realidade na indústria de calçados e há vários exemplos de aplicação em emissão de pedidos, utilização do sistema CAD no desenvolvimento dos produtos, corte automático com laser, faca ou jato d’água, costura programada, bordado e sistema knit, André Rocha avalia como espetacular o aumento da produtividade da indústria de calçados nos últimos 20 anos, tendo como um dos reflexos a redução do preço dos produtos acabados, em virtude do aumento da produtividade.
“Há 20 anos, um operador produzia até 0,5 par/hora, hoje a maioria das empresas produz pelo menos 1 par/hora, num aumento de 100% na produtividade. Há ainda espaço para aumentar a automação e isso está acontecendo”, compara.
Entendendo que, no mundo globalizado e competitivo em que as empresas vivem no momento, a automação focada na racionalização de processos, redução de operações e repetibilidade no padrão de qualidade é indispensável para quem pretende se manter em condições de concorrer com eficiência e qualidade, o diretor da Máquinas ERPS, Delcio Aloncio Schmidt, enfatiza que ao iniciar um projeto ou desenvolvimento novo, a empresa sempre faz a pergunta se cabe ou não automação nesse projeto e quais as vantagens e benefícios que serão proporcionadas ao mercado. “Afinal, automação pelo simples fato de ter não vale nada, o que buscamos sempre é automação que comprovadamente vai oferecer vantagens ao cliente”, defende o empresário.
Hoje, a ERPS disponibiliza dois modelos de máquinas que se destacam pelo nível de automação, praticidade operacional e benefícios gerados aos clientes. Uma é a máquina para montar simultaneamente a base e os lados (enfranque), da linha Montec ECC. E a outra é a máquina para montar o bico até a curva do enfranque, modelo MAP Universal E - SIM 4.0. De acordo com Delcio, a Montec ECC, há mais de uma década no mercado, mudou o conceito de montagem nas principais fábricas do Brasil e América Latina, e se destaca pelo diferencial em produtividade e qualidade do trabalho, racionalizando processos e eliminando operações exigidos, antes e após a montagem do lado, quando realizada no processo convencional.
“Ao selecionar o programa de montagem, a máquina se autorregula e, ao receber o sapato, realiza automaticamente a operação de montagem da base e enfranque e devolve o sapato montado na posição de origem. Nessa automação o destaque é que não há mais a necessidade da montagem do lado de forma manual ou de máquina ‘pirulito’, o que garante redução de custo e padronização de qualidade no processo”, explica.
Eficiência produtiva
A automação realizada na máquina MAP Universal E - SIM 4.0 trouxe a solução para as dificuldades enfrentadas no processo de montagem do bico do sapato, principalmente nas empresas que produzem pequenos lotes de produção com variedade de materiais. O problema nesta situação era a dificuldade do acerto na regulagem das máquinas e o tempo dispensado nos ajustes, que resultavam em perda de produção, e muitas vezes, por não atingir a regulagem adequada, ocorria a necessidade de retrabalho para corrigir defeitos de montagem. “Com o sistema SIM 4.0, ao clicar em cinco ícones no display, a máquina identifica as características do sapato a ser montado e realiza automaticamente, em segundos, a regulagem das pressões e posicionamento de altura do sapato, garantindo qualidade de montagem, evitando retrabalho e desperdício com rompimento de cabedais, e melhorando significativamente a produtividade”, ilustra Delcio.
Ele menciona ainda outro diferencial em termos de precisão repetitiva nas regulagens na montagem de diferentes modelos e materiais. “Enquanto em máquinas convencionais a regulagem depende da habilidade do operador e passa por necessidade de testes para ajustes, a máquina com o sistema SIM 4.0 garante precisão e repetibilidade de acordo com a característica do sapato”, detalha.
Comentando que a automação já é realidade no setor, sendo que em algumas empresas está em evolução, em outras em fase incipiente e, em muitas, praticamente inexistente, Delcio comenta que esta diferenciação se constata em vários aspectos, entre eles, a eficiência produtiva e a competitividade das empresas mais evoluídas. “O avanço mais rápido neste sentido passa por diversos fatores, entre os quais, a quebra de paradigmas, a descrença cultural, a resistência a mudanças e a insegurança ou incerteza na avaliação dos benefícios, na hora de decidir”, contextualiza.
O diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Máquinas Sazi, Anderson Zini, ressalta que as constantes exigências do setor - tanto em nível de custos quanto de qualidade - vêm estimulando os fabricantes a serem cada dia mais eficientes em suas linhas produtivas. O maior desafio nessa aplicação é o de atender a alta variabilidade dos produtos utilizando processos automatizados que usualmente são destinados a artigos standard. “Enxergamos que somente uma empresa com o conhecimento sistêmico dos processos calçadistas é capaz de oferecer soluções para esse mercado desafiador. Para dar certo, não devemos considerar a ideia de automação como um equipamento individual e de catálogo, do qual depende somente do fabricante de máquinas, mas de um programa que deve ser executado em toda a cadeia produtiva, da matéria-prima até a venda final ao cliente”, sublinha Anderson. De acordo com ele, essa integração, inclusive, se mescla com os conceitos de indústria 4.0, que geralmente são mais atrelados à tecnologia e que, na verdade, possuem uma ligação muito mais forte com a interconexão da cadeia produtiva, tornando-a um organismo vivo.
Soluções empreendedoras
O conceito de automatização que a Sazi oferece aos seus clientes calçadistas também está presente na própria empresa. Os processos de corte a laser, por exemplo, rodam 24 horas, nos sete dias da semana e, na sua grande maioria do tempo, sem supervisão humana. “Também temos processos mesclados, onde há atuação conjunta entre homens e máquinas; acreditamos que nada superará a ‘visão do todo’ de um ser humano, sua criatividade e seu constante descontentamento com as coisas pouco eficientes. Inclusive, na cultura da empresa incentivamos muito a inovação, onde humanos devem fazer tarefas que geram valor, mas trabalhos repeitivos e pesados devem ser designa- dos às máquinas”, resume o coordenador de Engenharia da Máquinas Sazi, Eduardo Bossle.
Linha Automatizada de Calçados Sazi (LACS )
Alguns exemplos desenvolvidos para as indústrias do sistema calçadista são a máquina modelo 234, que é um sistema de arrefecimento de solados com esteiras em espiral de 300 metros de comprimento; o Theo, de aplicação de adesivo em solados, que é dotado de um sistema de visão 3D capaz de eliminar a necessidade de programação, sendo necessário apenas carregar com a sola; a Linha Automatizada de Calçados Sazi (LACS), que possibilita a montagem de alguns tipos de calçados devido a integração de outros equipamentos de linha sem a intervenção de operadores e ainda o software de integração e gerenciamento de máquinas, Intelligent System, que tem por objetivo adquirir, processar e dar valor a todos os dados que são gerados pelos equipamentos, tanto da própria empresa, quanto de outros fabricantes.
“À frente dos novos desenvolvimentos, gostamos de dizer que tudo é possível; já como intraempreendedores, vamos sempre preferir encontrar o melhor custo-benefício e planejar uma transição de passos firmes, buscando os maiores ganhos com os menores esforços, adquirindo experiência e partindo para soluções mais complexas até chegar na solução ideal”, comenta o diretor, avaliando que o grande desafio é buscar trazer inovação não somente nos produtos mas também nos processos produtivos, ou seja, no negócio como um todo.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, a indústria calçadista nacional tem uma produtividade superior a dos seus principais concorrentes no mercado internacional, caso do Vietnã e da China (no Brasil, a produtividade é 3.472 pares/ano por trabalhador, enquanto no Vietnã é 920 e na China 3.399), mas há necessidade de se oferecer ao empresário mais condições de investimento, o que só ocorrerá com uma reforma do Estado brasileiro, especialmente no que diz respeito à carga tributária e aos crescentes custos logísticos.
A falta dessa reforma é uma dificuldade adicional para a ampliação da automação, que é um processo contínuo e fundamental de melhoria da competitividade intramuros, e hoje avança mais lentamente no setor calçadista brasileiro do que em outras atividades, como a indústria automobilística, por ser esta uma atividade com muitos processos durante a produção. “Atualmente praticamente todos os setores na linha de produção podem ser automatizados. A tecnologia está disponível, inclusive com fabricação nacional”, comenta Haroldo, destacando que as áreas com ganhos mais relevantes com automação em termos de redução de custos e de agilidade na produção são corte e costura.
AUTOMAÇÃO LOGÍSTICA - Uma das áreas sensíveis das indústrias calçadistas é o de Logística. Em meados dos anos 2000, o setor conheceu a metodologia de automação SOLA, uma espécie de guia para as empresas que desejam adotar melhorias com ganhos de produtividade e, consequentemente, de competitividade. Basta a empresa ter um sistema ERP e scanners para a leitura dos códigos de barras na linguagem global GS1 para que a troca de informações eletrônicas flua de maneira consistente entre todos que fazem parte da cadeia, desde o fornecedor de insumos e componentes até o varejo, para a entrega ao consumidor.
Haroldo Ferreira - presidente da Abicalçados
O conceito foi adotado por algumas empresas, mas, devido à piora significa na capacidade de investimento por parte do setor calçadista, o seu avanço depende de uma saída para a crise provocada pelo Coronavírus e a retomada da economia, seguida pelo retorno dos investimentos em automação por parte das empresas. “Durante o auge da pandemia, o setor chegou a registrar 30% de uso da capacidade instalada. O quadro de demissões só não foi pior devido à MP 936, que permitiu a suspensão temporária e redução de jornada durante o Estado de Calamidade. Não existia demanda e, consequentemente, não havia razão para manter a produção. Seja ela manual ou automatizada, muito menos capital para investir”, frisa Haroldo.
Para entender melhor o panorama da automatização na indústria calçadista, algumas empresas de ponta foram convidadas a falarem sobre a sua situação com relação ao tema. Do segmento moda feminina, participou a Via Marte, do setor de calçados infantis, a participante foi a Klin, já a Marluvas é do nicho de calçados de segurança e proteção do trabalhador.
Uma das empresas que participou do projeto SOLA foi a Via Marte. O gerente TI da empresa, Ivair Kautzmann conta que o SOLA em si não é um sistema, mas trata-se de um conjunto de boas práticas visando a acelerar e dar precisão às transações na cadeia. A empresa o adotou logo no surgimento do grupo de trabalho, ainda em 2002, quando a metodologia tinha outro nome: GOL. “O SOLA, que na época nasceu como Grupo de Otimização Logística (GOL), é um guia para implementação segura de identificação padronizada para ativos fixos (GIAI), locais (GLN), produtos (GTIN), seriais de produtos (SGTIN), seriais de unidades logísticas (SSCC) e layout de arquivos globais para troca de catálogo de produtos, pedidos, avisos de despacho e faturamento”, define Ivair. A ideia é: o que um elo da cadeia faz pode e deve ser utilizado pelo próximo, e assim todos ganham.
Lembrando que vários departa- mentos da Via Marte se envolveram na absorção e aplicação desse conteúdo e, ao longo do tempo, a organização obteve depoimentos de fornecedores, transportadores e clientes, dando conta de que os resultados são efetivos, o gerente considera que falta encarar que cada empresa precisa, primeiro, fazer o seu tema de casa, que começa com a adoção, visando à organização interna, e o efeito da maximização dos ganhos na cadeia será consequência. “Não adianta começar cobrando dos outros, comece em casa. Veja, por exemplo, o salto recorde de 2020 no comércio eletrônico, que é consequência direta da pandemia, B2B ou B2C. Nosso foco precisa estar na mitigação dos erros e consequente na aceleração da cadeia, seja na garantia do volume entregue pela indústria para o e-commerce, seja na operação do comércio eletrônico para a entrega correta ao consumidor final”, considera Ivair. A modernização do parque fabril da Via Marte contempla desde a adoção de CAD/CAM no desenvolvimento dos produtos até a adoção de máquinas e equipamentos automatizados, como, por exemplo, máquinas de corte e costura automatizada, que permitem rápida tradução dos pedidos em ordens de produção, eliminando necessidade de navalhas e afins.
Os processos fabris e as integrações envolvendo a cadeia de suprimentos e o controle sobre o produto acabado nas fábricas da Via Marte tiveram a sua revisão e busca pela padronização iniciadas em 2002. Na época, a empresa já era associada do sistema GS1, antiga EAN Brasil. “Os trabalhos foram divididos em dois grandes grupos. O primeiro focou na revisão e padronização interna, naquilo que estava ao nosso alcance, onde não havia dependência externa. O segundo envolveu a cadeia de suprimentos, desde a ordem de compra emitida pela Via Marte até o recebimento em nosso almoxarifado central, ou da entrega feita pelo fornecedor na linha de produção”, ressalta.
As fábricas, hoje, contam com cobertura 100% Wi-Fi, coletores de dados e aplicativo industrial, que recebe inputs a cada etapa da manufatura, permitindo saber em tempo real o andamento da produção e gravar a sua rastreabilidade. Um dos processos-chave, que sofreu automação, foi a certificação do picking, “o que era um embalamento com conferência manual passou a ser controlado por sistema, em que, de forma mandatória, o envio para o estoque ou faturamento e despacho da mercadoria passou a acontecer somente a partir dessa certificação eletrônica e não daquilo que o humano liberava”, resume.
De 2003 a 2016, era feita a certificação do embalamento utilizando o cruzamento da serialização dos volumes (SSCC) contra o GTIN (EAN/UCC). De 2016 em diante, passou a serializar cada par de calçado, diferente de um identificar de produto GTIN. “Passamos a contar com um identificador único e inequívoco por par produzido (SGTIN), e a amarrar de forma mais firme esta certificação. Atualmente, 100% do nosso picking é certificado, garantindo que somente pares ativados/lidos pelo Controle da Qualidade das fábricas possam participar de um volume, que esse par participe uma única vez e que a formação do volume é o esperado. Por consequência, garante o atendimento correto do pedido/embarque ou da quantidade subida no estoque e da disponibilizada para a venda pelos canais da empresa”, destaca o gerente de TI.
No recebimento de insumos, existem coletores de dados e um sistema que faz a leitura de tudo o que chega aos portões, em um ciclo parecido com o que é feito em suas expedições. “Aqui claro, dependemos do grau de automação da certificação da expedição e da troca de informações digitais do fornecedor. Os níveis de aderência vão desde aquele pequeno fornecedor, que não oferece qualquer informação automatizada e ainda nos impõe etiquetar dentro de casa na chegada do insumo, até aquele que já programou serialização dos volumes entregues e a troca de informações digitais, em que podemos ir diretamente para a leitura na descida do caminhão, sem nenhum retrabalho envolvendo identificação”, detalha Ivair.
Dentro das fábricas, com a certificação, a empresa garantiu 100% do picking e zerou erros na formação de volumes, contagem da produção pre- cisa e estoque correto disponibilizado para vendas. O faturamento ou a disponibilidade para o estoque eliminou controles e interação humana adicional, o que mantém a equipe de traba- lho enxuta.
Redução de custos
Dimensionamento, carregamento e despacho dos caminhões foram acelerados e a conta fretes teve eliminada a parcela de custos, antes atribuída a erro na fábrica e que, agora, se resume a erro/troca de volumes a partir do operador logístico. “Antes, tudo era custo da fábrica, agora, com a rastreabilidade e certificação do picking e despacho, fazemos o transportador assumir o erro dele. Em suma, nossos principais ganhos que refletem em efetiva redução de custos, mitigação de erros, aceleração dos processos e certificação da convergência entre o físico e o digital. Além disso, permite aos demais elos da cadeia (transporta- dor, distribuidor e cliente) maximiza- rem a sua operação, utilizando a informação padronizada disponibilizada digitalmente pela Via Marte junto com os volumes/produtos entregues. Atualmente, podemos citar ganhos de até 50%, cada 60 minutos de caminhão parado”, pontua Ivair.
Ao reorganizar as fábricas, a Via Marte garantiu rastreabilidade (definindo claramente local, operador, produto, estoque, volume, pedido, nota fiscal e despacho) e, por tabela, realiza uma operação em que é possível que, aquilo que é feito dentro da empresa, seja utilizado pelos elos sub- sequentes com zero retrabalho. “Mesmo que a cadeia não adote as práticas implementadas, a organização interna atingida valeu o esforço”, assegura o gerente de TI.
A fabricante de Equipamentos de Proteção Individual (EPI calçados) Marluvas iniciou seus projetos para a automação no ano de 2003, com a aquisição do primeiro robô de asperagem. A partir do investimento, um processo que até então era totalmente manual, passou a ser executado por robô, elevando a produtividade e a qualidade da montagem dos calçados. Nos anos seguintes, a empresa continuou a busca por melhores práticas de mercado e investiu muito forte no seu parque fabril nas diversas etapas que compõem um processo de fabricação de calçados de segurança, como máquina de costura pro- gramada, automação na costura de parte dos cabedais, automação para o setor de pesponto, sempre buscando melhorias na produtividade e principalmente na qualidade dos calçados.
Em 2008, adquire a primeira linha de automação completa para os processos de montagem e acabamento dos calçados com equipamentos agregados, gerando um ganho expressivo em produtividade e melhorando ainda mais a qualidade. A empresa, porém, não parou e segue investindo forte na busca das melhores tecnologias existentes no mundo, para a cada dia aperfeiçoar a sua capacidade produtiva, oferecendo o melhor atendimento aos clientes, denominados Marlovers.
“Como sabemos não há disponível, ainda, no segmento da indústria calçadista, muitas opções para Indústria 4.0, todavia, hoje, a empresa conta em seu parque fabril com o que há de mais moderno no mundo, como automação de costura, corte, montagem e acabamento. Além de coleta e tratamento de dados para geração de informações para Gestão”, assinala o diretor de Operações, Luiz Carlos Mendes, lembrando que no ano de 2015, a Marluvas iniciou um setor exclusivo para desenvolvimento e implementação de automação através de equipamentos para corte e aplicação de desmoldantes já implantados em todas as plantas produtivas.
A indústria de calçados infantis Klin automatizou etapas do fluxo dos materiais e da produção, desde a chegada das matérias-primas até o despacho do calçado acabado.
O gestor industrial Romildo Ramalho de Brito observa que todas as matérias-primas, antes de serem aprovadas para comporem as coleções, passam por ensaios físico-mecânicos e químicos que avaliam a qualidade e segurança.
Na busca por ganhos de produtividade, redução no consumo de materiais, melhoria de qualidade e diferenciação no produto, os primeiros sistemas a serem automatizados na empresa foram o de Corte, em 2008, e Costura, em 2009. Foi nessas seções também que a empresa mais investiu até o momento para implantar sistemas automatizados, através da aquisição de equipamentos e desenvolvimento de software, somando um aporte na ordem de R$ 10 milhões, entre os anos de 2008 a 2010.
O setor de Pesquisa e Desenvolvimento, após pesquisa com consumidor final, monta o portfólio da coleção e alinha com área de Marketing e Comercial as estratégias de comunicação e distribuição dos produtos. As demandas definidas pela área comercial são compartilhadas com as áreas de Planejamento e Produção, para o desdobramento das necessidades de recursos. Já as entradas de pedidos são organizados pelo sistema de PCP, com a definição da capacidade fabril x recursos existentes.
No processo de alinhamento de demanda com recursos e prazo de entrega, são acionados os fornecedores e a manufatura interna, com prazo definido de entrega. Com os pacotes programados, a cadeia de fornecimento é acionada, seguindo um cronograma de abastecimento na linha do tempo versus processo de fabricação.
No processo produtivo existe um monitoramento sistêmico de cada fase, oferecendo em tempo real a demanda versus tempo de processamento.
A fabricação segue os procedimentos estabelecidos de acordo com conceitos atuais. O processo de logística tem um fluxo sistemático de preparação, embalagem, roteamento e despacho. E o sistema corporativo ERP contempla várias etapas do processo que são geridos por definições de atividades essenciais, seguindo o fluxo e procedimentos, alinhados com a gestão do negócio.
Em algumas fases do fluxo são adaptados outros sistemas de informação para melhorar e agilizar a análise e decisões estratégicas (Administração e Manufatura). Na manufatura, foi realizado investimento em duas etapas que demandava maior custo nos recursos (mão de obra e matérias-primas).
Exemplos de processos automatizados
Corporativo - Safetc em parceria com Prisma (BI), proporcionando mais rapidez para as informações e a tomada de decisões.
Gestão de negócios - Trovata (Comercial/campo), para maior agilidade de comunicação e eficiência operacional.
Corte - 100% com máquinas automáticas (Atom) sistema de encaixe JOB Manager, proporcionando redução significativa em matérias-primas e mão de obra.
Costura - produção com máquinas automáticas e eletrônicas que proporcionam ganhos significativos de produtividade.
Montagem - Produção com máquinas automatizadas e embalagem plástica.
“A combinação dessas evoluções resultou em benefícios como redução de custos e de retrabalhos, melhoria da qualidade e da fluidez nos processos e produtos, além do aumento de produtividade e do nível de satisfação dos clientes também com relação a entrega, o fortalecimento da credibilidade e a diferenciação da marca perante os demais concorrentes pelo viés da inovação”, afirma o gestor industrial, Romildo.
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