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Tecnologia, sustentabilidade e versatilidade do segmento têxtil



Luís Vieira - editor


Transformar fibras em fios e fios em tecidos para oferecer conforto, proteção e bem-estar ao usuário é a especialidade da indústria têxtil, que soma mais de 50 mil empresas e é a segunda maior geradora de empregos no Brasil. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são 1,5 milhão de pessoas empregadas em todo o Brasil, sendo 75% de mão de obra feminina. O resultado de tamanha estrutura é um extenso portfólio de materiais disponibilizados para fabricantes de segmentos como vestimentas e calçados, os quais são elaborados com diferentes propósitos para atender às necessidades específicas de nichos como a moda, a prática de esportes ou ainda a segurança e proteção no trabalho.


Tendo a inovação tecnológica impregnada em seu DNA, a indústria têxtil brasileira é lançadora de tecnologias que impactam fortemente a vida das pessoas, seja pelo viés da performance ou da sustentabilidade. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel, comenta que, dentre os avanços, os que representam maior impacto estão hoje relacionados principalmente a soluções em economia circular e demais conceitos amigáveis ao meio ambiente, além de tecidos tecnológicos e têxteis impregnados com sistemas eletrônicos.


Baixo impacto ambiental


Na economia circular, os tecidos degradáveis feitos a partir de bioplásticos se destacam, assim como as soluções químicas para facilitar a separação dos materiais em tecidos bicompostos - constituídos de misturas de algodão e poliéster, por exemplo.


Já as fibras naturais recicláveis e de fontes renováveis, a exemplo do algodão e da juta, são usadas para substituir as sintéticas, como o carbono, que são mais caras e de origem fóssil. Os tingimentos naturais que substituem produtos químicos para a coloração também são cada vez mais procurados. Além disso, alguns processos biológicos aplicados na fase de tingimento proporcionam uma redução média de 30% no consumo de água e energia elétrica.


Outras soluções são o reuso dos resíduos têxteis gerados nos processos de fabricação, a transformação destes em novos materiais e as novas tecnologias como o knit, que evitam as sobras e o desperdício de recursos.


Funcionalidade


As pesquisas para o desenvolvimento de têxteis tecnológicos buscam insistentemente avançar na promoção da saúde, do conforto e da segurança dos usuários, a exemplo dos tecidos inteligentes para uso militar, que passam a receber uma série de propriedades que vão desde a repelência de insetos, o combate a micro-organismos perigosos, a proteção ultravioleta, o controle da temperatura interna e o aumento da resistência mecânica dos uniformes.


Outra tendência são roupas e calçados com dispositivos eletrônicos para carregar celulares através da energia gerada pelo usuário quando em atividade e sensores que podem medir seus batimentos cardíacos ou a composição química no sangue, trazendo para os artigos de vestimenta tecnologias antes acessadas em consultórios ou clínicas de saúde.


Os avanços tecnológicos em tecidos permitem que componentes digitais, com elementos eletrônicos e da computação, sejam introduzidos internamente, já na composição dos tecidos. Com isso os têxteis podem ser programados para reagir, por exemplo, a diferentes condições de temperatura do ambiente ou corporal, liberando calor ou frio. Outro exemplo são as barreiras técnicas para proteger o usuário contra contaminações causadas por elementos químicos.


Categorias de tecidos inteligentes


Tecidos inteligentes passivos - são aqueles que somente absorvem informações sobre condições e estímulos do ambiente, através de sensores. Peças produzidas com tecidos inteligentes passivos podem ser usadas, por exemplo, para proteger a pele da ação dos raios UV.


Tecidos inteligentes ativos - mais avançados que os primeiros, são compostos por sensores e agentes inteligentes que podem, por exemplo, memorizar formas, resistir à água, regular a temperatura (reconhecendo os pontos mais frios do corpo para, então, aquecê-lo ou vice-versa), absorver vapores, entre muitas outras coisas.


Tecidos ultrainteligentes - pertencem à classe mais avançada dos tecidos inteligentes. Além de captar informações do ambiente, possuem um microcomputador embutido, capaz de atuar como uma espécie de “cérebro”. Roupas espaciais e algumas peças esportivas já dispõem desse tipo de tecnologia. Uma peça dry-fit, por exemplo, é ideal para atividades físicas, porque permite que o suor evapore e seja menos absorvido pela roupa.


Estética e melhoria de desempenho - os exemplos estéticos incluem desde tecidos que iluminam até aqueles capazes de mudar de cor. Alguns desses tecidos captam a energia do meio ambiente, através de vibrações, som ou calor, e podem reagir a eles para proteger o corpo.


Já os voltados para melhorar o desempenho têm grande impacto nas indústrias de atletismo, esportes radicais e militar. Existem tecidos que ajudam a regular a temperatura corporal, reduzem a resistência ao vento e controlam as vibrações musculares. Em outras palavras, melhoram o desempenho atlético.


Podem proteger as pessoas contra perigos ambientais extremos. Isso inclui a radiação e os efeitos das viagens espaciais. As indústrias de saúde e beleza também estão aproveitando essas inovações. Por exemplo, já existem tecidos que liberam princípios ativos de substâncias com propriedades hidratantes, perfumes e ação antienvelhecimento diretamente no corpo.

Fonte: Febratex Group


Tendências

Segundo Fernando, as tecnologias com visão voltada para a sustentabilidade e a circularidade - que hoje já despontam entre as prioridades - vão dominar ainda mais no futuro. “Não há como e nem porque voltar atrás. Podemos pensar as demandas ambientais como um cheque especial. Se ao invés de resolvermos este passivo formos protelando, vai chegar um tempo em que o saldo negativo será impagável”, pondera. Salientando que as tecnologias são transversais e permeiam pelos setores, algumas tendências foram apontadas pelo presidente.


- Artigos militares, ao lado dos artigos esportivos e médico-hospitalares, é um setor que demanda constantemente de atualizações para oferecer mais conforto e segurança, sendo lançador de inovações que posteriormente beneficiam também outros segmentos. Está em andamento um projeto piloto junto ao exército brasileiro para agregar o máximo de propriedades às vestimentas visando a aumentar a proteção das tropas militares contra adversidades de origem climática, biológica ou química.


- No segmento esportivo os tecidos que aumentam a capacidade de absorção e dissorção da umidade favorecem a aerodinâmica, são mais leves e protejem contra raios ultravioletas, além de proporcionar o controle térmico estão sempre no foco.


- Para o dia a dia, as propriedades de elasticidade, memória, controle da temperatura, proteção contra os raios UV e que evitam odores causados pelo suor se tornaram essenciais.


Para calçados, as contribuições dos cabedais prontos somam-se aos tecidos respiráveis, com propriedades antivirais, antifúngicas e antimicrobianas como evoluções desejadas em forros e palmilhas.


- Os tecidos para uso hospitalar necessitam de propriedades descontaminantes e de maior resistência aos processos de lavagem que são bastante agressivos aos materiais. Neste caso em especial, Fernando revela que todos os anos, em média, 20% dos enxovais hospitalares precisam ser descartados em virtude dos desgastes a que são submetidos durante os processos de higienização, que acabam por encurtar a vida útil desses produtos. Por conta disso, a Abit recebeu uma solicitação de um dos mais conceituados hospitais do País, o Albert Einstein, para um trabalho em conjunto envolvendo institutos de tecnologia, startups e empresas do setor no desenvolvimento de materiais mais resistentes, com o cuidado para manter as características de conforto aos pacientes. “Esta demanda se tornou hoje um grande desafio para a Abit e seus parceiros”, finaliza o executivo.


Tecidos que inspiram inovação e criatividade


A Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) realiza o maior salão de inspirações para a indústria da moda da América Latina, com duas edições anuais, O Inspiramais lança a cada semestre mais de 600 materiais que inspiram inovação e ustentabilidade para o setor da moda.


A criação e desenvolvimento de materiais inovadores em design e tecnologia para calçados, confecções, bijuterias, decoração e móveis é resultado de um ciclo que se inicia com um estudo de aspectos socioeconômicos, culturais, globais e de comportamento de consumo no mundo.


Um dos consultores do Núcleo de Pesquisa e Design do Inspiramais, Rodrigo Zen, foi instigado a falar sobre quais são hoje, na sua avaliação, as principais evoluções do setor de materiais têxteis. Enfatizando que a sustentabilidade sempre foi um tópico importante no Inspiramais e o tema hoje é transversal desde a fase da pesquisa até nos atendimentos dos consultores, ele comenta que as inovações na área de sustentabilidade propostas pelas empresas de matérias-primas e componentes acabam sendo referência para o sistema da moda e um dos espaços mais procurados no Inspiramais.


Com relação às propriedades que buscam oferecer bem-estar, Rodrigo considera que não há como falar de melhoria na performance sem pensar também no conforto. “É fato que a pandemia trouxe mudanças no cenário da moda e também do consumo, sendo o conforto a palavra-chave, pensada muito além de um conjunto de moletom, indo da moda esportiva ao workwear. Tecidos antes pensados essencialmente para a moda esportiva ganham a moda casual e a alfaiataria. Tecidos inteligentes, tecnologia antibacteriana, fios que estimulam a circulação sanguínea e diminuem a fadiga muscular são só alguns exemplos do que o Inspiramais tem apresentado nos últimos anos”, lista o consultor.


As inovações na cadeia têxtil estão presentes também nas máquinas, equipamentos e softwares utilizados, como os sistemas de digitalização dos processos de criação. “Essas tecnologias possibilitam que se veja a roupa pronta antes de todo o processo de prototipagem e isso diminui significativamente o tempo e os gastos envolvidos no processo, além de diminuir o impacto ambiental com a confecção de roupas que não seriam aproveitadas ou que precisam ser feitas novamente”, detalha Rodrigo.


Ele complementa reforçando que com a evolução do digital estão sendo quebradas barreiras que talvez demorassem mais de 10 anos num cenário de evolução pré-pandemia. “Desfiles, apresentações, e-commerce, comunicação, todo esse metaverso - mundo interativo, imersivo e colaborativo - será cada vez mais presente na moda", sublinha.


Uma das empresas que expõe regularmente no Inspiramais é a Cofrag. Com mais de três décadas de atuação no mercado, se tornou uma indústria têxtil com tecnologias avançadas no setor de tricotagem, tinturaria, estamparia, espumas em poliuretano, termomoldados, termoplásticos e dublagens. Com unidades instaladas em quatro Estados do Brasil: Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará e São Paulo, oferecendo componentes têxteis para setores como calçadista, de segurança e lingerie, mantém o setor de Pesquisa e Desenvolvimento focado na inovação tecnológica e na sustentabilidade, em busca de novas fibras e processos que levem ao aprimoramento de cada coleção, cujos artigos são submetidos a testes físicos e químicos independentes.


“Além de conforto e saúde, nossos materiais agregam valor e funcionalidade aos produtos acabados de nossos clientes”, pontua o diretor-presidente do Grupo Cofrag, Gilmar Haag, destacando os itens nano tecnológicos que são empregados através da busca de funcionalidades, tais como proteção contra micro-organismos, repelência a água/óleo e hidratação. O portfólio de produtos oferecidos ao setor calçadista conta ainda com palmilhas, contrafortes e viés.


Tendo em sua cultura empresarial estabelecer parcerias com fornecedores, universidades, centros tecnológicos e startups, um dos destaques entre seus desenvolvimentos é a Poliamida 5.6 Bio Amni, uma inovação sustentável produzida parcialmente por fonte renovável, usando a cana-de-açúcar. Além das propriedades de conforto térmico similar ao algodão e superior absorção de umidade, oferece a vantagem de secagem rápida devido ao microfilamento que espalha a umidade uniformemente pelo tecido. O tingimento é mais sustentável, à baixa temperatura e mais rápido, permitindo até 40% de redução de energia.


“Os nossos desenvolvimentos cada vez mais seguem a tendência global da crescente demanda e movimentação de mercado por mais produtos têxteis sustentáveis e isso implica na minimização de impactos adversos na qualidade do ar, água e outros elementos naturais, assim como manter a integridade dos ecossistemas”, contextualiza Gilmar, informando que todo o ciclo de vida do produto ou processo é pensado para reduzir sua pegada de carbono.



Têxteis em calçados

Em torno de 20% dos 600 expositores a cada edição do Inspiramais são desenvolvedores de materiais têxteis e, desses, 10% são fornecedores para a indústria calçadista.


Dados apresentados pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) revelam que dos 863,4 milhões de pares de calçados desenvolvidos no Brasil, algo em torno de 18 milhões de pares são em material têxtil, representando 2,3% do volume total, e grande parte deste montante vem do segmento de tênis esportivos. O presidente da entidade, Haroldo Ferreira, afirma que estes números vêm se mantendo estáveis nos anos recentes.


Com relação às exportações, segundo o relatório setorial, em 2020, os calçados em tecidos ficam na quarta posição entre os materiais preferidos pelos compradores internacionais, correspondendo a 9,8% do volume embarcado. Vale destacar que as exportações calçadistas despencaram mais de 18% numa média geral, mas os elaborados em matéria-prima têxtil foram um dos nichos menos impactados, com a queda de 11,8%.


Os dados sobre as impor- tações de calçados mostram ainda que mais de 54% dos pares que entraram no Brasil no ano passado são de materiais têxteis. “Somando o que deixamos de exportar (cerca de 9 milhões) mais os importados (cerca de 11 milhões), presume-se que o mercado interno tenha absorvido 20 milhões de pares de calçados têxteis (3% do total consumi- do)”, contextualiza Haroldo.

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