
Por Luis Vieira
Após 25 anos de negociações, Mercosul e União Europeia assinaram no último dia 6 de dezembro, no Uruguai, um acordo de livre comércio entre os blocos. Envolvendo 32 países, que somam uma população de mais de 700 milhões de pessoas, nasce com status de maior tratado do gênero no mundo, tendo por objetivo reduzir ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois mercados.
A redação da Revista Tecnicouro convidou as principais entidades dos segmentos de couro, componentes, máquinas, tecidos, calçados, artefatos e varejo para comentarem como cada setor percebe esse acontecimento e quais são as expectativas positivas e os pontos preocupantes.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) foi uma das primeiras instituições a se manifestar através de uma nota na qual considera a finalização do acordo “oportuna”, por garantir aos membros do Mercosul um instrumento “poderoso” para lidar com as mudanças comerciais e geopolíticas em curso.
“Em um momento em que os países parecem estar optando por protecionismo, Mercosul e UE dão exemplo ao finalizar o acordo que dá contornos a um dos maiores blocos comerciais do mundo, com um mercado de mais de 700 milhões de consumidores e um PIB nominal que supera os US$ 20 trilhões. O Brasil representou mais de 80% do fluxo de US$ 112 bilhões de comércio entre Mercosul e UE, em 2023. A importância das trocas comerciais é consequência de um estoque de capital superior a US$ 320 bilhões investidos por companhias da UE no País. Ou seja, além do potencial de alavancar o comércio, o acordo deve estimular o investimento produtivo de longo prazo, uma fonte importante de emprego e renda para o Brasil”.
O documento ainda aponta que o acordo atende à reivindicação da Fiesp por uma inserção externa qualificada do Mercosul, além de reconhecer as boas práticas ambientais e de sustentabilidade do setor produtivo brasileiro. Segundo a entidade, o livre comércio deve ocorrer em até 15 anos do início da vigência do acordo.

A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) informou que, embora ainda existam trâmites a serem cumpridos, com a necessidade de aprovação no Conselho da União Europeia e nos parlamentos dos países dos dois blocos, o passo foi comemorado por calçadistas brasileiros.
“O acordo prevê a desgravação dos impostos atualmente pagos pelo calçado brasileiro importado nos países do bloco europeu ao longo de 10 anos. Hoje, os calçados comercializados pelo Brasil com a UE pagam tarifas de importação entre 3,5% e 17%”, contextualizou o presidente-executivo da associação, Haroldo Ferreira. Ele lembra que o mercado europeu é fundamental para as exportações de calçados do Brasil e deverá ser ampliado com o acordo firmado. Em 2023, foram embarcados para países do bloco 18,55 milhões de pares, que geraram US$ 137,57 milhões. “Certamente, esperamos um impacto importante para as exportações brasileiras, pois teremos preços mais competitivos”, avalia o executivo, destacando ainda o potencial da exploração de produtos sustentáveis, cada vez mais valorizados pelos consumidores europeus.

O gestor de Mercado Internacional da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Luiz Ribas Junior, vê o acordo como uma oportunidade para as indústrias do segmento.
“As tarifas para componentes são altíssimas no bloco, e existe uma proteção, especialmente vinda de países tradicionais produtores. Naturalmente, as tarifas do Brasil sempre foram mais ‘acessíveis’ para componentes externos. Desta forma, entendemos que haverá uma competição mais justa, inclusive mirando mercados como Portugal e Espanha, principalmente. Os bons materiais e aquelas empresas que investiram e investem na sua competitividade no mercado externo certamente se beneficiarão do acordo”, resume.

A presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Artefatos de Couro e Artigos de Viagem (Abiacav), Mara Spina, comenta que o setor espera que o Brasil seja realmente beneficiado a partir da assinatura do documento inicial do processo de aprovação e ratificação do acordo.
“A Abiacav é uma entidade fundada há 43 anos, que atualmente congrega empresas da cadeia produtiva de bolsas, mochilas, malas, ou seja, artefatos e artigos de viagem em geral. São indústrias, varejistas, importadores, fornecedores etc.
O impacto do acordo sobre cada um destes segmentos é diferente e merece atenção. Estamos, portanto, acompanhando atentamente os desdobramentos, que serão graduais, uma vez que implicam não somente em alíquotas de importação e exportação, como também na eliminação de barreiras não tarifárias (normas, regulamentos, certificações etc.), entre outros aspectos que ainda não são de conhecimento pleno. De qualquer forma, vamos sempre buscar que os nossos associados alcancem resultados positivos neste novo contexto de comércio exterior”, considera.

A indústria brasileira de couros, que é majoritariamente exportadora, aguardava muito pela conclusão do Acordo de Parceria Mercosul-União Europeia desde o início de suas tratativas, há muitos anos, comenta Rogério Cunha, da Inteligência Comercial do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB).
Ele ressalta que países do bloco europeu, como Itália, Alemanha, Hungria, Espanha e Portugal, são mercados importantes para as exportações de couro do Brasil. “Com a operacionalização do acordo, entendemos que nosso trabalho pode se desenvolver ainda mais nesses espaços estratégicos do comércio internacional. Há um horizonte de incremento de exportações de couros nos estágios semiacabado e acabado (mais valor agregado) a partir desse acordo”, vislumbra.
Entre os dez maiores importadores mundiais de couro do Brasil todos os anos, três estão na União Europeia, e, sozinhos, respondem por mais de 15% de todas as vendas de couro brasileiro para o mercado externo. Ao todo, o bloco europeu tem participação de 25% nas exportações de couro do Brasil. “Acompanhamos atentos aos desdobramentos para que o acordo esteja vigente na prática em um período adequado”, finaliza.

“Em princípio, a Abrameq apoia o acordo selado entre o Mercosul e a União Europeia, pois está alinhado com a visão da entidade que defende o livre comércio com igualdade de condições para competir”, assegura o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos para os setores do couro, calçados e afins, André da Rocha, destacando que, para os associados da Abrameq, o impacto tem pontos positivos e negativos.
“Como positivos, podemos citar o acesso ao mercado da União Europeia com regras claras de livre comércio e o acesso a tecnologias e componentes com menor custo, que podem tornar mais competitivos os equipamentos desenvolvidos e produzidos no Brasil. Como pontos negativos, o custo financeiro do Brasil, comparado com a União Europeia, diminui a competitividade dos nossos associados no investimento de bens de capital, que, na importação, têm custo de financiamento muito inferior ao dos produtores brasileiros. Também, a volatilidade cambial do Brasil dificulta a definição de preços para a exportação dos produtos”, analisa André.
Ele ainda comenta que, “apesar de ainda haver muitas lacunas a serem resolvidas entre as duas partes, pois o acordo precisa ser avaliado e aprovado pelo Congresso de cada país do Mercosul e da União Europeia, para a imagem do Brasil essa decisão é fundamental. Com várias exigências ambientais atendidas no acordo, podemos esperar uma mudança no reconhecimento dos esforços do Brasil nesta área”, prevê.

O diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, lembra que o acordo abre espaço não só para negócios, comércio, compra e venda, mas também para investimentos, intercâmbio tecnológico e tudo o mais que é importante para o desenvolvimento dos países e dos setores industriais. Isso deixa o segmento bastante satisfeito, mesmo que seja um primeiro passo, pois ele ainda terá que ser integrado às legislações dos países.
“Numa visão muito otimista, seria possível, até o final do segundo semestre deste ano, dividir a parte do comércio das partes política e ambiental e já dar início ao cronograma de desgravação, desde que tenha pelo menos quinze países do bloco europeu de acordo com essa divisão, equivalente a pelo menos 30% da população da União Europeia”, destaca.
Ele considera ainda que o Brasil deu um passo relevante, pois o acordo mostra para o mundo que esses dois grandes blocos estão dispostos a seguir no multilateralismo, diminuindo o protecionismo e trabalhando com cláusulas sociais, ambientais e trabalhistas.
“Acreditamos que, se funcionar bem, como a gente espera que funcione, em 10 anos podemos gerar de 250 mil a 300 mil postos de trabalho, levando em conta a progressão de negócios que a gente poderia ter e outras medidas como o programa Nova Indústria Brasil (NIB), plano governamental de implantação da nova política industrial, com o objetivo de contenção da desindustrialização brasileira e de promoção de sua reindustrialização e toda a agenda de competitividade que nós estamos trabalhando”, sublinha.

A Agência Brasil noticiou que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) também celebra a conclusão do acordo, avaliando que as relações comerciais serão fortalecidas e novas oportunidades econômicas serão geradas, consolidando os laços históricos e culturais entre os blocos.
“O acordo reflete o compromisso com o desenvolvimento sustentável, promovendo práticas que conciliam crescimento econômico e preservação ambiental, essenciais para garantir um futuro promissor às próximas gerações”, disse o presidente do Sistema CNC-Sesc-Senac, José Roberto Tadros. O executivo ressalta que a CNC teve participação ativa nas tratativas, defendendo os interesses do setor de comércio de bens, serviços e turismo brasileiro. “Esse acordo abre novos horizontes para nossas empresas, promovendo maior competitividade, acesso a mercados globais e oportunidades de negócios para os setores de bens, serviços e turismo”, concluiu.

A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) também avalia que, com a liberalização do comércio entre os dois blocos, os mercados europeus podem recuperar sua importância na pauta exportadora brasileira. A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com um comércio de mais de R$ 90 bilhões em 2023. Dados da inteligência de mercado da ApexBrasil, entre 2003 e 2023, mostram que a participação do bloco da Europa nas exportações do País caiu de 23% para 13,6%. Conforme a agência, isso é resultado do aumento do comércio com o Leste Asiático, destacadamente com a China, principal parceiro comercial.
Segundo o presidente da Apex, Jorge Viana, o acordo retoma a importância desse comércio bilateral e é uma oportunidade para diversificação e agregação de valor aos produtos brasileiros exportados. “O Brasil poderá aproveitar as mais de 1.800 oportunidades de curto prazo para o bloco que a ApexBrasil mapeou, com destaque para uma ampla gama de produtos, como café, milho, suco de laranja, mel natural, aviões, calçados, móveis de madeira, entre muitos outros”, afirmou.
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