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Análise comparativa do microclima de materiais utilizados em calçados


WILBORN, Juliana1 ; STONA, Hygor1 e PERUCHINI, Bruno Arenhart1 1.

Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC)


Resumo


O microclima, de forma geral, é um atributo importante do conforto, inclusive para calçados, e neste contexto a escolha dos materiais para construção desta importante peça do vestuário é fundamental, pois contribuem diretamente com as trocas de calor entre os pés e o ambiente. Dentre os materiais amplamente utilizados na indústria calçadista, que estão em constante desenvolvimento tecnológico e têm uma relação direta com o controle de temperatura e umidade estão os forros, cuja estrutura além de envolverem os pés, possuem propriedades mecânicas e térmicas que contribuem para o conforto. O presente estudo avaliou e comparou o microclima de dois tipos diferentes de materiais para forro de calçados, confeccionados de forma que pudessem ser avaliados isoladamente. Os resultados mostraram que os materiais testados foram similares no incremento da temperatura e na contribuição para o conforto, quando inseridos no processo produtivo do calçado como um todo.


Palavras-chave: microclima, temperatura, conforto, forros para calçados.


Abstract


The microclimate, in general, is an important attribute of comfort, including for footwear and in this context, the choice of materials for the construction of this important piece of clothing is essential, because these materials contribute directly to the exchange of between the feet and the environment. Among the materials widely used in the footwear industry, which are in constant technological development and have a direct relationship with the control of temperature and humidity are the linings, whose structure, besides involving the feet, have mechanical and thermal propieties that contribute to comfort. The present study evaluated and compared the microclimate of two different types of shoe lining materials, made in such a way that they could be evaluated separately. The results showed that the materials tested were similar in terms of temperature increase and contribution to comfort when inserted into the production process of the shoe as whole.


Keywords: microclimate, temperature, comfort, shoe linings.


Introdução


Os calçados são compostos por diferentes materiais na sua construção e diante das várias opções existentes no mercado, é preponderante que se utilize a combinação que oferece maior conforto e funcionalidade ao usuário. Um fator importante a ser considerado é que, embora os calçados sejam confeccionados dentro de uma mesma linha, a colocação ou a substituição de materiais pode proporcionar alterações tanto visuais quanto funcionais, modificando os seus atributos.


Durante as atividades diárias, diversos são os estímulos aos quais o ser humano se expõe, originando no organismo respostas fisiológicas de diferentes intensidades, interferindo na temperatura corporal. De acordo com Ashby e Johnson (2011), os materiais atuam com dois protagonismos, o de funcionalidade e o de criar personalidade para o produto. Neste contexto, o microclima (temperatura e umidade) contribui de forma importante para a percepção do conforto térmico dos pés, o que pode ser atingido mediante análises prévias e combinação de materiais. Através da seleção dos materiais e de acordo com suas propriedades, pode-se criar várias possibilidades térmicas, para diferentes situações climáticas, dependendo da termocondutividade que se almeja alcançar.


De acordo com Slater (1997), considera-se conforto termofisiológico o estado térmico e de umidade na superfície da pele, que envolve a transferência de calor e de vapor de água por meio dos materiais têxteis ou do vestuário. Sendo assim, as propriedades térmicas dos calçados são normalmente atribuídas ao nível de isolamento e resistência ao vapor fornecido e ao desenvolvimento do microclima do calçado.


Da mesma forma que as roupas, os sapatos representam uma barreira para a transferência de calor e umidade entre a pele e o ambiente externo. Portanto, quando as vias de perda de calor por evaporação do usuário são limitadas, o calor e a umidade podem se acumular nas camadas de ar entre a pele e o calçado (Havenith et al., 2003; Bouskill et al., 2002).


Dessa maneira, a perda de calor da pele para o sapato é reduzida à medida que o gradiente se torna menor (Lu et al., 2013). Sugere-se, perante o exposto, que o desenvolvimento do microclima do sapato tenha uma influência decisiva nas sensações e percepções de conforto térmico dos usuários (Arezes et al., 2013; Irzmanska et al., 2013; Shimazaki e Murata, 2015).


O desenvolvimento de um calçado é bastante complexo, possui diferentes componentes, que em boa parte são fabricados de formas diferentes e por fornecedores independentes, mas que no produto final, atuam em conjunto. Neste contexto, a escolha de um revestimento interno, ou seja, um forro com um bom acabamento é fundamental não só para o design como também para o conforto, por envolver os pés e absorver a umidade gerada durante o uso do calçado.


O forro é um material têxtil, cuja produção, normalmente, é a base de fios de fibra natural ou sintética com a finalidade de forrar calçados variados. Geralmente os forros são dublados com espumas de diferentes espessuras e densidades.


Com os avanços da tecnologia, diversos materiais vêm sendo estudados de maneira que se possa oferecer ao consumidor final experiências positivas durante a utilização do calçado no desempenho de suas atividades diárias.


O presente estudo tem como objetivo avaliar e comparar a variação de temperatura de duas amostras de forros, isoladamente, ou seja, sem que estes estejam inseridos na construção do calçado. Para isto, foram confeccionadas “botinhas” com as amostras do forro sendo este o único material de testagem, sem a presença de outros elementos que compõem o calçado, para que fosse possível realizar os testes com os indivíduos caminhando com este material nos pés.


Materiais e Metodologia


Para a determinação da temperatura interna dos materiais e sua comparação, foram utilizados: esteira ergométrica Inbramed, modelo CLASSIC CI, com visor para controle e ajuste da velocidade, com capacidade de variar de 0 a 18Km/h; e o equipamento National Instruments, NI cDAQ-9172, com sensores PT 100 para mensuração da temperatura. A realização dos testes foi em um ambiente laboratorial, com temperatura e umidade controladas (23 ± 2)°C e (50 ± 5)%, respectivamente.


Foram utilizadas botinhas confeccionadas com os seguintes materiais: Lycra cetim e couro vegetal, os artigo científico.indd 93 29/06/2023 15:31:51 94 • julho | agosto ARTIGO ensaios foram realizados por dois sujeitos do sexo feminino que caminharam na esteira ergométrica em velocidade controlada de 4km/h ±5% durante 30 minutos. As coletas foram realizadas em dias diferentes, sendo randomizadas a ordem dos dias e dos materiais utilizados.


Os testes foram realizados segundo a norma ABNT 18437 e a coleta dos dados foi realizada mediante os seguintes procedimentos:

1) Climatização dos indivíduos durante 10 minutos com os pés descalços;

2) Fixação do sensor tipo PT 100 na região do dorso do pé, entre as cabeças do I e II metatarsos;

3) Os indivíduos calçavam as botas confeccionadas com o forro correspondente ao material previamente sorteado para aquele dia de coleta.

4) Na sequência, com a temperatura estabilizada, iniciava-se a caminhada de 30 minutos em esteira ergométrica.


Este estudo tem como objetivo comparar a variação de temperatura em dois tipos de forro interno para calçado, sem a interferência dos demais componentes que envolvem a construção do calçado.


Os resultados foram analisados com base na variação obtida durante a caminhada de 30 minutos em esteira e na diferença percentual entre os diferentes forros, quando comparados com o índice de conforto de temperatura.


Resultados e Discussão


Após a realização dos ensaios, os dados das variações térmicas foram registrados e de acordo com gráfico 1 (Microclima dos materiais), onde observa-se que ambos os materiais contribuíram para o incremento da temperatura, o que vem ao encontro da literatura que descreve esse incremento durante a prática de determinadas atividades motoras como caminhar ou correr. O resultado desta análise mostra o quanto o material contribui de forma isolada para o conforto do calçado, quando este componente introduzido na produção dos diferentes tipos de calçados.


Importante salientar que o material pode sofrer interferências quando colocado nos calçados, conforme o tipo de dublagem utilizada, processos diferentes de fabricação e variação de materiais e espessuras. De acordo com os dados encontrados no gráfico 1, os materiais utilizados para forração dos calçados, Lycra cetim e couro vegetal, apresentam similaridade na variação de temperatura e consequentemente na contribuição para o conforto térmico em calçados.


Gráfico 1. Microclima dos materiais


Na tabela 1 (Contribuição para o conforto), observa-se que a contribuição dos materiais, Lycra cetim e couro vegetal, apresentam similaridade, em torno de 60%, na contribuição dos índices de conforto para os parâmetros de incremento de temperatura. Embora o material do revestimento interno do calçado seja apenas um item na construção do calçado, é importante que o seu desempenho individual seja favorável, uma vez que a junção de vários elementos com atuação semelhantes (confortáveis) corroboram para uma performance harmônica do conjunto (calçado).


Tabela 1. Contribuição para o conforto


Conclusão


A exploração das propriedades dos materiais e suas possibilidades de utilização no mercado são muito diversificadas, sendo possível agregar valor, conferindo ao produto atributos funcionais satisfatórios, facilitando processos e reduzindo custos. Neste contexto a testagem dos materiais em laboratórios especializados para identificar a eficácia é muito indicada. Para trabalhos futuros sugere-se a avaliação de mais materiais utilizados como forros para calçados e que estes forros sejam testados também de maneira comparativa, quando inseridos em diferentes tipos de calçados, de maneira que se possa avaliar seu desempenho em diferentes construções de cabedais.


Referências


ASHBY, Michael; JOHNSON, Kara. Materiais e design: arte e ciência da seleção de materiais no design de produtos. 1.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. A.M. West, D. Schönfisch, A. Picard, J. Tarrier, S. Hodder, G. Havenith, Shoe microclimate: An objective characterisation and subjective evaluation, Applied Ergonomics, Volume 78, 2019, Pages 1-12, ISSN 0003-6870, https://doi.org/10.1016/j. apergo.2019.01.010. Acesso em: 05 maio 2023. BOUSKILL, L.M., Havenith, G., Kuklane, K., et al., 2002. Relationship between clothing ventilation and thermal insulation. AIHA J. 63, 262–268. https://doi.org/10.1080/ 15428110208984712. CHOKLAT, Aki. Design de sapatos. São Paulo: Editora Senac, 2012. Shoe design: a handbook for footwear designers. China: Fashionary International Ltd., 2016. HAVENITH G., UEDA H., SARI H. and Inoue Y. (2003) “Required clothing ventilation for different body regions in relation to local sweat rates”, in Rossi R. (Ed), 2nd European Conference on Protective Clothing, Montreux, Switzerland LU, Y., Li, J., Li, X., Song, G., 2013. The effect of air gaps in moist protective clothing on protection from heat and flame. J. Fire Sci. 31, 99–111. https://doi.org/10.1177/ 0734904112457342. P.M. Arezes, M.M. Neves, S.F. Teixeira, C.P. Leão, J.L. Cunha, Testing thermal comfort of trekking boots: An objective and subjective evaluation, Applied Ergonomics, Volume 44, Issue 4, 2013, Pages 557-565, ISSN 0003-6870, https://doi.org/10.1016/j. apergo.2012.11.007. Acesso em 05 maio 2023. SLATER, K. “Subjective Textile Testing”, Journal Textile Institute vol. 88 Part 1, n° 2, 1997, pp. 79-91. WILKES, Sarah; et al. Design tools for interdisciplinar translation of material experiences. Materials and Design, v. 90, p. 1228- 1237, 2016. YASUHIRO, S. MASAAKI, M, Effect of gait on formation of thermal environment inside footwear, Applied Ergonomics, Volume 49, 2015, Pages 55-62, ISSN 0003-6870, https://doi.org/10.1016/j.apergo.2015.01.007. Acesso em: 05 maio 2023.

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