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A influência dos materiais e tipos de construção de cabedal no microclima dos calçados

CUNHA, Beatriz¹,². ZARO, Milton² e PALHANO, Rudnei²


  1. Acadêmica do curso de Engenharia Biomédica - Unisinos

  2. Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC)

Resumo

Durante o desempenho das atividades diárias, o metabolismo humano tende a aumentar devido ao acréscimo da demanda energética, promovendo trocas de calor do corpo com o meio externo. Ainda que considerado um mecanismo de adaptação, o aumento do metabolismo e consequente aumento de temperatura corporal pode vir a influenciar de maneira negativa para a performance dos indivíduos. Tendo em vista este cenário, diversos materiais e tipos de construção de cabedais vêm sendo estudados a fim de contribuírem com as trocas de calor entre os pés e o ambiente. Dentre os materiais utilizados na indústria calçadista, pode-se citar os de origem polimérica sintética, como o PVC, os de origem natural, como o couro, e os de origem têxtil, como as fibras sintéticas. Em função das diferentes estruturas químicas e tipos de processo, esses materiais apresentam diversas vantagens quanto as propriedades mecânicas e térmicas. O presente trabalho buscou avaliar e comparar as variações de temperatura de 27 amostras de calçados de cabedais de PVC, couro e fibra têxtil sintética. Os resultados mostraram que o calçado de couro possuiu maior variação de temperatura, seguido pelo de PVC e por fim o de fibra têxtil. No entanto, não foi encontrada diferença significativa entre elas.


Palavras-chave: materiais, temperatura interna, performance, conforto, calçados.


Abstract


During the performance of daily activities, human metabolism tends to incerease due to the rise in energy demand, wich promotes heat exchanges between body and external environment. Althou- gh considered an adaption mechanism, the increase of metabolism and the consequent increase in body temperature can negatively influence the performance of individuals. In view of this scenario, several materials are used on shoes construction have been stu- died in order to contribute to the heat exchanges between the feet and the environment. Among the materials used in the footwear industry, it can be mentioned those of synthetic polymeric origin, such as PVC, natural origin, such as leather, and textile origin, such as synthetic fibers. Because of the diferences of chemical structu- res and typos of process, these materials shows several advantages in terms of mechanical and termal properties. This presente work sought to evaluate and compare the temperature variations of 27 samples of footwear made of PVC, leather and synthetic textile fi- ber. The results showed that leather shoes had a greater tempera- ture variation, followed by PVC and finally by textile fiber. Howe- ver, no significant difference was found between them.


Keywords: materials, internal temperature, performance, comfort, footwear


1. Introdução


Ao longo do dia, o ser humano está exposto a diversos estímulos que provocam respostas fisiológicas, ocasionando um acrescimento ou decréscimo da temperatura corporal, o que também pode ser influenciado pela utilização de acessórios, como vestimentas, calçados, capacetes, entre outros.


A manutenção da temperatura corporal é realizada pelo sistema de controle fisiológico, o qual é composto por termorreceptores centrais e periféricos, além de um sistema de transmissão de informação e integração, sendo este último composto por regiões específicas do cérebro, como o hipotálamo. Todo este conjunto de sistemas regula, idealmente, a temperatura corporal nas regiões centrais em torno dos 37°C, mantendo assim a conservação das atividades metabólicas (BRAZ, J. R. C).


Quando disposto em um ambiente de temperaturas elevadas ou quando realizadas atividades físicas que aumentem o metabolismo, o organismo humano realiza uma série de trocas de calor com o meio externo. Essas trocas de calor podem ser realizadas de maneira seca (radiação, condução ou convecção) e úmidas (evaporação da água) (CAMARGO, M. G. D), sendo que todas englobam uma série de eventos fisiológicos, como vasodilatação, aquecimento superficial da pele e sudorese. Ainda que contribuam positivamente para a regulação da temperatura corporal, esses eventos podem gerar consequências negativas no desempenho do indivíduo, como erupções cutâneas e desidratação.


Vindo ao encontro dos fatores relatados acima, a temperatura interna dos calçados, também denominado microclima dos calçados, demonstra ser um parâmetro de conforto, uma vez que calçados excessivamente quentes tendem a diminuir a performance dos usuários em um âmbito profissional e pessoal. Uma das formas regulamentadas de quantificação do microclima dos calçados é através da NBR 14837, a qual fornece diretrizes e procedimentos para qualificar o desempenho térmico de calçados, enquadrando-os em níveis de conforto.


Frente a este cenário, com o avanço da tecnologia e conscientização da indústria, diversos materiais e tipos de conformação de calçados vêm sendo estudados para garantir um produto que impacte positivamente na execução das atividades diárias, como o aumento da produtividade.


Um dos materiais utilizados na confecção de calçados é o policloreto de vinila, denominado PVC, sendo um composto polimérico sintético que demonstra maior rigidez que o polietileno e o polipropileno, baixa inflamabilidade e alta polaridade, o que facilita no processo de pintura desse material. Desta forma, o PVC é conhecido por sua ampla gama de aplicação, incluindo o setor de construção civil, medicina e moda (JOHN, V. M, JR, A. R., NUNES, L. R., ORMANJI, W).


Outro material muito utilizado na composição de calçados é o couro, considerado um material nobre. Calçados confeccionados a partir deste material apresentam grande durabilidade e, associados a outros materiais, podem promover o bem-estar do usuário. Comparado com o PVC, o processo produtivo de calçados de couro é mais complexo e envolve uma série de etapas, incluindo o tratamento prévio do material e associação de diversas estruturas para gerar o produto final. Ainda, o setor coureiro-calçadista representa um papel significativo para a economia brasileira, sendo que grande parte dos produtos são destinados à exportação. Em relação a suas propriedades, o couro possui alta resistência ao rasgamento, boa elasticidade e estrutura porosa, permitindo a absorção da umidade e proporcionando um ambiente de troca térmica (SOUZA, EG., et al, MONTE, M. A. D. B. L .D. et al).


A indústria calçadista tem inserido em seu portifólio de materiais fibra sintética com atributo de aumento de performance. Essas fibras podem ser compostas de diversos tipos de materiais, como o elastano e poliéster (KOHAN, L., et al). No entanto, esses tipos de materiais não seguem uma padronização de composição, influenciando na geometria das tramas e provocando alterações nas propriedades mecânicas e térmicas dos materiais utilizados nesses tipos de cabedais.


O presente trabalho tem como objetivo avaliar e comparar a variação da temperatura interna de calçados com cabedais de PVC do tipo EPI, couro do tipo EPI e têxtil do tipo esportivo, tratando este parâmetro como um critério de conforto.


Metodologia


Para a realização dos ensaios, foram utilizadas nove amostras de calçados de cabedais de PVC, couro e têxtil, totalizando 27 amostras. Todos os sujeitos que participaram dos ensaios eram do gênero masculino passaram por avaliação física antes da realização dos testes.


Seguindo a metodologia da NBR 14837, os sujeitos caminharam em esteira ergométrica, durante o intervalo de 30 minutos a uma velocidade constante de 5 km/h ± 0,5 km/h. Para o registro da temperatura, um sensor do tipo PT100 foi posicionado nos pés dos sujeitos conforme orientação da norma referente a este ensaio, como pode ser visto através da Figura 1. A temperatura do ambiente foi controlada, permanecendo na faixa dos 23 °C ± 2 °C e umidade do ar de 55% ± 5%.



Figura 1: Posicionamento do sensor de temperatura


A análise dos dados foi realizada através da diferença entre a temperatura final e inicial, posteriormente, demonstrando através da tendência central, o comportamento dos materiais dos calçados.


Resultados e Discussão


Após a realização dos ensaios, as variações térmicas no interior dos calçados foram registradas, gerando uma curva de incremento de temperatura exemplificada pela Figura 2. Os valores obtidos para a tendência central podem ser visualizados no Quadro 1, bem como a análise gráfica através da Figura 3.


Figura 2: Incremento de temperatura


Quadro 1: Variação da temperatura para os diferentes tipos de calçados avaliados.


Figura 3: Microclima dos calçados para os diferentes tipos de cabedais


Através dos resultados encontrados, observou-se que todos os materiais apresentaram o aumento da temperatura interna, o que vem ao encontro da literatura, a qual demonstra que, com o desempenho da atividade física, o sujeito tende a aumentar a temperatura corporal. Este aumento pode ser influenciado pelo cabedal, o qual promove a dissipação de calor para o meio externo [2]. Contudo, todas as variações de temperatura se enquadram como “normais”, de acordo com a NBR 14837.


Quando o calçado apresenta maior variação de temperatura e diferença estatística entre os resultados, isto pode estar relacionado com o processo produtivo desse tipo de calçado e quantidade de estruturas que ele apresenta, como adesão entre o cabedal e os forros e o número de combinações de componentes, respectivamente.


Observa-se também que menores variações de temperatura estão relacionadas aos materiais e apresentam design diferenciado, com tramas mais abertas e diminuição do peso do calçado, propiciando uma maior troca de calor entre o microclima do calçado e o meio externo [7].


Através da Figura 3, quando analisadas as médias de temperatura e seus respectivos desvios padrões, é notório que as variações da temperatura para os três tipos de materiais do cabedal podem ser consideradas iguais, não apresentando diferenças significativas.


Conclusão


Através do presente trabalho, conclui-se que a o microclima dos calçados é um fator determinante de conforto e pode influenciar na performance diárias dos usuários.


Nota-se que, referente à variação de temperatura dos pés durante a utilização dos calçados, pode ser influenciada por fatores fisiológicos do indivíduo, design o calçado e método de confecção. Calçados de couro do tipo EPI recebem uma maior quantidade de estruturas para que a segurança do indivíduo seja preservada, como forros, biqueiras e elementos de adesão, apresentando um design mais robusto. Já calçados de cabedais têxteis, como calçados esportivos, possuem uma menor quantidade de componentes e, consequentemente, design menos estruturado e leve, visando conforto e performance. Calçados EPI de PVC, ainda que menos estruturados, apresentam incremento de temperatura similar ao couro, uma vez que as propriedades térmicas podem ser influenciadas pela natureza dos materiais.


Para os trabalhos futuros, sugere-se que determinados fatores relativos aos modelos de calçados sejam controlados, como a presença de palmilhas de tecido e não tecidos, massa, mistura de materiais, entre outros.


Bibliografia


1. BRAZ, J. R. C. Fisiologia da Termorregulação Normal. Neurociências, Universidade de Estadual de São Paulo – UNESP, v. 12, n. 3, p. 12-17, set/2015. Disponível em: <http://www.revistaneurociencias.com.br/ edicoes/2005/RN%2013%20SUPLEMENTO/Pages%20from%20RN%2013%20SUPLEMENTO-2.pdf>. Acesso em: 19 de jan. 2021.

2. CAMARGO, M. G. D. Resposta Fisiológica do Corpo às Temperaturas Elevadas: Exercício, Extremos de Temperatura e Doenças Térmicas. Saúde e Pesquisa, Universidade Estadual de Maringá – UEM, v. 4, n.2, p. 278-288, dez/2005. Disponível em: <https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/saudpesq/article/ view/1723>. Acesso em: 19 jan. 2021.

3. JOHN, V. M. Desenvolvimento de PVC Reforçado com Resíduos de Pinus para Substituir Madeira Convencional em Diversas Aplicações. Polímeros: Ciência e Tecnologia., Departamento de Engenharia de Construção Civil e Urbana – EPUSP, v. 16, n. 1, p. 1-11, 2006. Disponível em: https://revistapolimeros.org.br/ doi/10.1590/S0104-14282006000100005. Acesso em: 19 de jan. 2021.

4. JR, A. R., NUNES, L. R., ORMANJI, W. Tecnologia do PVC. 2. Ed. São Paulo: Pro Editores, 2006. P. 1-450.

5. KOHAN, L., et al. Materiais Têxteis Aplicados na Indústria Calçadista Brasileira. 6º CONTEXMOD - congresso científico têxtil e moda, 2018, Brusque. Disponível em: <https://proceedings.science/contexmod/ contexmod-2018/papers/materiais-texteis-aplicados-na-industria-calcadista-brasileira>. Acesso em: 19 jan. 2021.

6. MONTE, M. A. D. B. L. D. et al. Características Físico-Mecânicas e Químicas do Couro de Caprinos Abatidos em Idades Diferenciadas. Revista Brasileira de Zootecnia, Minas Gerais, v. 33, n. 5, p. 1285-1291, 2004. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-35982004000500021>. Acesso em: 19 de jan. 2021.

7. SOUZA, EG., et al. Impactos ambientais no setor coureiro-calçadista em Campina Grande – PB: uma análise quanto à utilização do cromo no processo produtivo. In: LIRA, WS., and CÂNDIDO, GA., orgs. Gestão sustentável dos recursos naturais: uma abordagem participativa [online]. Campina Grande: EDUEPB, 2013, p. 251-271.



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