UEM mantém laboratório especializado no processamento de couros exóticos
- marciele195
- 30 de jun.
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Com um sistema de processamento adequado, o beneficiamento da pele para a fabricação de couro representa não somente uma fonte alternativa de renda, mas colabora com a sustentabilidade no setor, evitando impacto ambiental que seria gerado, por exemplo, pela indústria da carne, caso as peles fossem descartadas no meio ambiente.
Quando, ao invés de se tornarem rejeitos, as peles se transformam em couro, passam a ter um outro significado, como matéria-prima de alta qualidade e valor agregado para a confecção de vários produtos, como bijuterias, vestuário, calçados, bolsas e artesanato.
Devido aos desenhos formados pelas lamélulas de proteção e inserção das escamas, as peles de peixe são consideradas um material exótico com características peculiares, apresentando em sua superfície desenhos específicos para cada espécie, que se encaixam como se fossem mosaicos, sendo esse um dos principais diferenciais no mercado.
A Universidade Estadual de Maringá (UEM), através do curso de Zootecnia e da pós-graduação em Zootecnia, desenvolve um programa para o curtimento de peles para a produção de couros. A professora Maria Luiza Rodrigues de Souza, do Departamento de Zootecnia da UEM, ministra as disciplinas de Processamento de peles e couros nos cursos de Graduação e Pós-graduação em nível de mestrado e doutorado. Trabalhando desde 1988 na área de curtimento da instituição, ela é autora do livro editado pela Editora da Universidade Estadual de Maringá (Eduem - Coleção Fundamentum) intitulado Tecnologia para processamento das peles de peixe. A publicação lançada em 2004 já teve várias reimpressões e, anos mais tarde, foi feita a versão em espanhol (Tecnologia
para procesamiento de pieles de pescado), que chegou ao mercado em 2007. Além desses, também já escreveu capítulos de livros e artigos científicos publicados com o mesmo tema.
De acordo com a professora Maria Luiza, o processo de curtimento aplicado para as diferentes espécies de peles de peixes e outras espécies animais está relacionado com os tipos e concentrações de produtos químicos utilizados (óleos, os diversos agentes curtentes, ácidos e enzimas proteolíticas), o tempo de processo e a ação mecânica em cada etapa do processo. Existem diferenças acentuadas entre as peles das várias espécies de peixes, em função da estrutura histológica (disposição e orientação das fibras colágenas) e composição de aminoácidos, em especial a hidroxiprolina. Peixes marinhos são mais sensíveis para o processo de curtimento, em especial nas etapas de caleiro, purga e píquel, as quais necessitam de técnicas diferenciadas de curtimento, seja em tempo ou quantidade de produtos, acréscimo de um ou outro produto químico, até mesmo a inclusão de mais etapas, tais como: fazer várias vezes a etapa de desengraxe, em relação ao maior teor de gordura natural presente na pele de determinadas espécies.
Lembrando que para todos os couros e para a peleteria (coelhos, caprinos e ovinos, espécies que também são processadas no laboratório da UEM) são realizados testes de resistência para avaliar o quanto de força é necessário para romper o corpo de prova do teste para tração e alongamento (elasticidade) e rasgamento progressivo, ela explica que a pele de peixe apresenta uma boa resistência. “Existem diversos fatores que influenciam na resistência do couro, tais como: espécie de peixe, idade, peso, sentido da pele em relação ao comprimento do peixe (transversal ou longitudinal), processo de curtimento, entre outros”, contextualiza a pesquisadora.
O Laboratório de Processamento de Peles de Pequenos e Médios Animais no qual a professora trabalha está instalado na Fazenda Experimental de Iguatemi (FEI), também da UEM, e é considerado uma referência na produção e em pesquisas sobre a transformação da pele do peixe em couro. Nele constam fulões (tambores giratórios) onde as peles são curtidas, cabine de pintura, prensa hidráulica e também um dinamômetro, que é usado para avaliar a resistência quanto à tração, alongamento e rasgamento progressivo. A docente destaca que outros testes podem ser aplicados nas peles, desde que se tenha os acessórios específicos para colocar o corpo de prova que será testado e software adequado. “Para cada tipo de teste existe uma forma de cortar o corpo de prova e posicioná-lo no dinamômetro e os ensaios são realizados de acordo com recomendações de norma ISO”, sublinha.
No laboratório são aplicadas diferentes técnicas de curtimento nas diversas espécies de peles animais (peixes de água doce e marinha, rã, coelho, peles de caprinos, jacaré, avestruz, além do rúmen e retículo de bovino e ovino, pé de frango, entre outras). Também são realizadas análises de resistência dos diferentes couros processados no laboratório, através dos testes físico-mecânicos, testes físico-químicos e bem como análise de histologia e microscopia eletrônica de varredura em parceria com outros laboratórios da UEM.
Além disso, o laboratório é utilizado para as aulas práticas da disciplina de Tecnologia de produção de peles e couros, no curso de graduação em Zootecnia, e Tecnologia de peles e couros, na pós-graduação em Zootecnia.

No ano de 2024, a Universidade Estadual de Maringá teve produtos feitos de couro de tilápia, produzidos na sua fazenda, sendo utilizados por diferentes marcas durante dois desfiles de moda do País: a 58ª edição do São Paulo Fashion Week (SPFW) e a 2ª edição do Santa Catarina Fashion Week (SCFW). No site oficial de uma das marcas, a coleção Manifesto Ancestral fala sobre raízes e afrofuturismo, inspirada pelas tribos Maasai do Quênia e da Tanzânia, que fazem parte da linhagem da estilista Mônica Sampaio. No total, quatro peças com couro de tilápia foram apresentadas no desfile, que teve como tema As Joias da Rainha, homenageando a jornalista, editora e diretora criativa Regina Guerreiro.
Já a coleção Sentir, também de uma das marcas, trouxe o couro da tilápia como forma de destacar a sustentabilidade na indústria da moda. Neste desfile ocorrido no Fashion Week de Santa Catarina, foram apresentadas seis peças.
Em fevereiro deste ano, a Universidade participou de uma feira de materiais e tecnologias para os segmentos da moda e de estofamento automotivo e mobiliário. A Tecnomoda, que aconteceu em Ribeirão Preto/SP, exibiu couros de peixes (tilápia, pirarucu e pescada), peleteria (pele de coelhos tingidas em diversas cores, pele de caprinos curtidos com diferentes agentes curtentes), couro de coelho com aplicação de diferentes técnicas de acabamento, couro de avestruz, reticulo de bovino e produtos elaborados com couros de peixes e de coelhos. Além disso, apresentou o aproveitamento dos resíduos do curtimento, tais como o pelo retirado da pele de coelho, que depois de ser curtido é submetido ao processo de lavagem, tingimento e aromatização para obtenção do fio para tecer. Em paralelo, a obtenção das escamas da pele de tilápia, que foram apresentadas no evento como uma forma de saches para aromatização de ambientes, principalmente em armários e gavetas, além de servirem para decoração.
Outra escama exibida foi a de pirarucu, utilizadas para confecção de flores e acessórios, também aromatizadas. Os couros de pirarucu foram atrativos no evento, pois apenas três curtumes entre os mais de 30 presentes tinham esse produto para oferecer, cada um aplicando a sua referida técnica de curtimento e acabamento. Quanto aos couros de tilápia, a empresa Tilápia Leather estava presente com um estande, onde também constava couros de pirarucu e arraia.

No estande da UEM, foi apresentado couro com pintura à mão, com direito à realização da pintura de peças ao vivo, para que o público pudesse ver como é feito este processo de acabamento artesanal às peças. Dentre os produtos expostos pela UEM no evento, estavam estojos, necessaire, bolsas, porta cartão, carteira, cintos, blazer, saias, jaquetas, tops, camisas com detalhes com couro, chinelos, calçados e as mantas de couro de tilápia com diferentes tipos de acabamento e pintura à mão.
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