Para os leitores saudosos dos feitos de Johnny e órfãos da inveja que isso lhes propiciava, seus problemas acabaram, como dizia o jargão de um velho programa televisivo (Cacete & Perneta), ao tempo em que a televisão era a única culpada de “me deixar burro, muito burro demais...” conforme vociferava os Titons. Ih! Imaginem que diriam eles, hoje, dos grupos de Uatizape e outros que proliferam naquele estranho país...
A estória de Johnny é um exemplo de como alguém esperto pode comprar a felicidade terrena e até a eternidade, embora com relação a essa talvez haja algum risco de a mercadoria não ser entregue. De advogado que só queria ter um jatinho para conquistar o amor verdadeiro, Johnny criara uma inusitada religião (Non mortis); investira os lucros na extração de minérios e terminara por criar gado para exportação.
Quando nem mais descer de seu jatinho, com seu flamante chapéu verde/amarelo e botas de couro de pyton, tornou-se páreo a famosidade de um digital influencer, nosso herói transformou-se em apresentador de um programa de TV pago (também reproduzido com enorme sucesso no vocenotubo). Neste, relatava seus feitos e angariava novos fiéis, tendo inovado com o disparo de tiros para o ar ao final do programa, enquanto os que assistiam - todos de chapéus iguais para honrar seu mito - saudavam-no em delírio. Porém, como outrora, faltava-lhe algo. Ocorre que Johnny sentia um enorme e insaciável prazer de não pagar tributos. Até então, suas atividades econômicas, com ajuda de um supertributarista, não haviam sido admoestadas pelo fisco e pelas leis daquele país.
No entanto, isso já não era suficiente. Sentia, pois, uma espécie de crise de abstinência de levar vantagem e precisava de um novo negócio que pudesse renovar seu deleite de intributável. Depois de conversar com seu guru para novos negócios (um ex-empresário falido que se notabilizou em coaching para o enriquecimento), tomou uma decisão: criaria uma concessionária de veículos usados, travestida de locadora de automóveis.
Conforme lhe explicaram, a maladrangem (Johnny sentia um incomparável prazer auricular ao som dessa palavra) consistia em comprar veículos novos na condição de consumidor final, dado que os destinaria para a locação. Com isso, não teria que recolher o denominado ICMST, normalmente cobrado por antecipação das concessionárias com base no suposto preço de venda cobrado dos adquirentes. Com a explosão de novos empreendedores naquele país - os quais dirigiam carros para a empresa chamada ABer como se taxistas fossem - não seria difícil alugar tais veículos. Tudo bem que sobraria uma parcela muito pequena para o locatário, mas isso era da natureza do negócio.
Aliás, seu antigo e ex-amigo, também João, o qual, diferentemente de Johnny, nascera João e assim permanecera, era um desses empreendedores que, já acreditando no futuro do negócio, participara recentemente de uma carreata contra a instituição do Imposto sobre os Afortunados e pelo fim da saúde e educação públicas, embora sua renda mensal acabasse muito antes de o mês encontrar seu ocaso. Mas enfim, pensava João, “sou livre para enriquecer!”
Não bastasse estar dispensado do ICMST, seu supertributarista explicou-lhe que sobre a locação não incidia nenhum daqueles impostos, os quais normalmente eram cobrados quando uma empresa vendia mercadoria ou prestava serviços, pois, há muito tempo, a Super Suprema Corte (SSC) havia julgado que tal operação não caracterizava fato gerador deles. Além disso, a SSC havia entendido que, se o veículo ficasse durante um ano contabilizado no “ativo imexível” da empresa (lembrando do inesquecível Ministro Toni Rogê Magro), poderia ser comercializado sem o pagamento do tal imposto incidente sobre revenda de automóveis usados. Com isso, conseguiria a façanha de vender o automóvel usado por um preço maior do que o da compra, mesmo depois de um ano de uso, além de todos os meses apropriar despesas com a depreciação dos veículos locados, o que reduziria seu lucro irreal e, com isso, diminuiria aqueles tributos chatos que incidiam sobre ele. Por fim, também ficou sabendo que poderia negociar com um determinado estado (Terra de Tiradentes), que lhe concederia uma redução do imposto sobre a propriedade de veículos de motor, mesmo que esses fossem locados em outros estados, bastando que fossem emplacados nas terras onde, no passado, havia muitas minas. Parecia estranho, mas sua locadora de automóveis teria um faturamento muito maior com a revenda de automóveis usados do que com a locação propriamente dita, tudo dentro da lei como lhe contara seu supertributarista. Que belo negócio!
Compraria e venderia automóveis, como se locadora fosse, e ainda sobraria uma boa grana pela locação aos incautos motoristas da ABer. Como outrora ocorrera, Johnny teve até dificuldade de acreditar no plano. Porém, ele já havia se acostumado a viver espertamente naquele estranho país, ter orgulho e ser cultuado por sua ignorância, ser aplaudido por suas grosserias e mau gosto e até já percebera muitos desejando ser apenas ele. Afinal, naquele tempo um tanto estranho e naquela terra que ele acreditava ser plana, instaurara-se uma silenciosa epidemia, a qual, embora não matasse diretamente, levava um contingente cada vez maior de pessoas a embarcar em uma máquina do tempo rumo à Idade Média. Ah...ninguém ouse culpar os marcianos pela invenção dessa máquina!
Autor: Marciano Buffon - Advogado Tributarista, professor do PPGD da Unisinos / marciano@buffonefurlan.com.br
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