Por Luís Vieira
Segundo dados do Governo Federal, as exportações brasileiras em 2021 (até o mês de setembro) somaram a quantia de US$ 213.350,7 bilhões, sendo China, Estados Unidos e Argentina os três principais destinos dos produtos nacionais. Tendo commodities como o principal lastro, o Brasil ocupa hoje a 24ª posição em valores somados pelas exportações.
As principais mercadorias que nosso país embarcou para o exterior foram soja (US$ 28,6 bilhões), minério de ferro e seus concentrados (US$ 25,8 bilhões), óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus (US$ 19,6 bilhões), açúcares e melaços (US$ 8,8 bilhões) e carne bovina fresca, resfriada ou congelada (US$ 901 milhões).
Apesar de não figurar entre os principais produtos exportados, o calçado nacional construiu mundialmente uma boa imagem, sendo reconhecido por sua qualidade e capacidade de entrega. Esta conquista é extensiva a toda a cadeia de produção, pois o País, ao longo das décadas, se estruturou de tal forma que culminou na constituição do mais completo cluster coureiro-calçadista em nível global. Esta conclusão é atestada oficialmente em 2019, quando, durante o Congresso Mundial do Calçado, realizado no México, especialista setoriais, após uma análise profunda, consolidam o Brasil como o único país no mundo a ter um cluster coureiro-calçadista tão completo e articulado, abrangendo todos os elos da cadeia de fornecimento, produção e distribuição.
O Brasil reúne o segundo maior rebanho comercial do planeta, o que colabora para que seja também um gigante na produção e distribuição de couros, curtindo anualmente 40 milhões de peles. Conta ainda com uma rede de produção de insumos químicos, componentes, máquinas, equipamentos, serviços, centros de pesquisa, desenvolvimento, tecnologia e design, além de entidades setoriais que representam cada segmento da cadeia de valor e atuam conjuntamente na defesa política e comercial do setor como um todo, tanto em âmbito nacional quanto nas questões internacionais. As promotoras de feiras complementam o sistema, oportunizando a exibição para o mundo do melhor que a indústria brasileira produz, potencializando assim a globalização das marcas nacionais.
A origem da indústria calçadista no Brasil
O surgimento do sistema coureiro-calçadista no País tem origem no início da atividade de criação de gado da região da campanha no Rio Grande do Sul, uma vez que o couro dos animais abatidos era usado para a fabricação de calçados que, embora fossem ainda bastante rudimentares, protegiam as pernas e os pés dos homens no campo.
A partir de 1824, com a chegada dos imigrantes europeus, novos conhecimentos foram adquiridos. As técnicas de curtimento começaram a se desenvolver, o couro do gado passou a ter melhor aproveitamento e os calçados aos poucos foram aprimorados com novas técnicas de produção - os sapateiros mediam o comprimento, a altura e a largura do pé do cliente objetivando a entrega de produtos mais adequados às necessidades dos usuários. Assim começam a surgir as primeiras empresas especializadas na produção de calçados, o que acabou por conferir ao RS o status de berço da indústria coureiro-calçadista no País, tendo o Vale do Rio dos Sinos seu embrião.
Embarques para o front
Cleon Gostinski relata em seu livro Brazilian Footwear que quatro anos depois da chegada dos colonizadores, 10 curtumes já estavam estabelecidos no RS beneficiando as peles do gado para transformá-las em couros destinados para a fabricação de artefatos variados, como bainhas de facas, arreios e celas. Das sobras resultantes dessas produções começou a fabricação de chinelos para abastecer o mercado regional. A distribuição da produção acontecia através de caixeiros-viajantes, que se tornaram os primeiros representantes.
Segundo Cleon, os conflitos armados foram um dos propulsores tanto para o desenvolvimento da indústria do calçado, quanto para as primeiras exportações do setor. Durante a Primeira Guerra Mundial, o exército africano encomendou um modesto volume de perneiras de couro para seus soldados e as linhas de produção, que já eram realidade em algumas regiões, deram um passo além voltando-se à confecção de coturnos. Anos mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil fornece perneiras e botas para equipar os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que foram lutar na Itália contra as fileiras nazistas de Hitler. Nesse mesmo período, o exército da Venezuela também encomendou um volume considerável de calçados para os seus soldados. A entrega dos pedidos tinha que ser rápida, o que contribuiu para o desenvolvimento de técnicas de linha de produção industrial. A partir da década de 1940, a indústria coureiro-calçadista brasileira passou por processos de aperfeiçoamento permanente, e começou a ser reconhecida pela sua competência e a qualidade dos produtos.
A exportação como alternativa à queda do consumo interno
Na década de 1960, abalos na economia freiam o consumo interno e o setor, que já trabalhava com produção em escala, viveu um período de grandes desafios. Lideranças empresariais e políticas ligadas à região do Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, onde concentrava-se o maior volume da produção de calçados no País, iniciaram então um trabalho voltado à pesquisa de novos mercados e contaram com apoio do Governo Federal para visitarem feiras estrangeiras em busca de clientes internacionais. O objetivo era tornar os produtos brasileiros conhecidos no exterior, especialmente nos Estados Unidos que, além de ter sua capacidade de consumo mundialmente reconhecida, também se situa no Continente Americano, o que facilitaria o acesso.
O Governo brasileiro percebe a importância dessas exportações começarem a acontecer. Depois de ser aplicado no País um programa federal de incentivos fiscais e de crédito, bem como o aumento das verbas para a divulgação dos sapatos nacionais no exterior, o Ministério das Relações Exteriores fretou, em junho de 1969, um avião para trazer um grupo de norte-americanos em visita à Feira Nacional de Calçado (Fenac) realizada em Novo Hamburgo/RS, então considerada a Capital Nacional do Calçado. O resultado desse investimento foi a formação de um consórcio de empresários brasileiros, que assinaram o primeiro contrato de exportação para a América do Norte.
No início, foram exportadas pequenas quantidades, mas o sucesso da transação fez com que os compradores americanos se sentissem seguros com relação à seriedade dos novos parceiros e aumentassem o volume de pedidos. Isso exigiu a produção em escala, que foi prontamente atendida pelas empresas gaúchas. As exportações de calçados eclodiram, o estado se transformou em uma potência industrial com intensa mão de obra empregada, e esse sucesso motivou outros estados a também apostarem na produção de calçados. Surgiram então polos calçadistas em diferentes regiões do Brasil, especialmente nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
A primeira exportação bem-sucedida
O empresário Cláudio Strassburger protagonizou na década de 1960 as primeiras exportações bem-sucedidas de calçados brasileiros para uso não militar. Naquela época, a economia brasileira passava por uma grande crise, que afetou também o setor calçadista. Os industriais buscaram então apoio junto a lideranças políticas, no sentido de fomentar os negócios, e a saída imaginada seria pelo viés das exportações. O governador gaúcho de 1959 a 1962, Leonel Brizola, foi sensível a situação e viabilizou a ida de uma comitiva de empresários, imprensa e políticos aos EUA, em uma missão para divulgar o calçado brasileiro.
Vale lembrar que, no ano de 1959, as forças rebeldes comandadas por Fidel Castro, Che Guevara e Raúl Castro haviam derrubado o então presidente de Cuba, Fulgencio Batista Zaldívar, e rompido as relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos, o que criou uma situação favorável para os brasileiros, visto que Cuba era o maior abastecedor de calçados dos Estados Unidos. Além disso, a mão de obra nos EUA encareceu, levando ao fechamento um grande número de fábricas. Tudo isso deixou os norte-americanos apreensivos com a possibilidade de desabastecimento de calçados. “A cada ano, em torno de 50 a 60 fábricas deixavam de existir na América. Aproveitamos esta ocasião para nos apresentarmos como possíveis novos parceiros, o que resultou em embarques ao novo mercado”, revelou Cláudio Strassburger.
A conquista da Europa
O próximo passo foi a conquista do mercado europeu, e para isso os fabricantes brasileiros participaram de várias feiras em diferentes países, em busca de contatos com empresários e associações locais. “Em 1962, durante um dos jantares dos quais participamos, tive a oportunidade de conhecer um empresário que atuava fortemente na Inglaterra e a apontou como um mercado bastante promissor. Decidi verificar a indicação e rumei sozinho para o país, que na época exportava moda para o mundo, em parte devido ao surgimento dos Beatles. Vivenciar toda aquela efervescência me encheu de entusiasmo”, ressaltou.
Já em território inglês, o primeiro passo foi procurar o consulado brasileiro, que era o órgão a cuidar das questões comerciais. Cláudio conseguiu agendar encontros importantes com empresários locais e um deles foi com o dirigente da Britsh Shoe Corpo- ration. Porém, ao fazer a demonstração dos calçados que produzia, ouviu do executivo que aqueles modelos não serviam para o consumidor inglês.
Mas o que parecia ser um enorme balde de água fria logo se tornou uma oportunidade de negócios, quando o mesmo empresário lhe apresentou alguns pares de sandálias que comercializava e o desafiou a reproduzi-los, mas com a ressalva de que, além da modelagem e qualidade idênticas, os produtos deveriam ter preço mais competitivo do que o praticado pelos habituais fornecedores. De posse daquelas sandálias, voltou para o Brasil decidido a cumprir o desafio. “Comecei pelo desenvolvimento do couro, principalmente com a parceria do Curtume Fasolo. Coloquei o corpo técnico a trabalhar para podermos atender às novas exigências de calce. Em poucos dias aprontamos as amostras e recebemos o primeiro pedido”, destacou. Anos mais tarde, em 1968, a Strassburger exporta para os Estados Unidos o equivalente a US$ 4 milhões em sandálias franciscano, sendo este um grande marco para o calçado brasileiro.
Apoio político
No ano de 1965, aconteceu uma reunião entre lideranças para estabelecer novas diretrizes setoriais e se decidiu que a estratégia para o desenvolvimento seria redobrar os esforços para aumentar o volume das exportações. Veio então novamente à tona a necessidade de ajuste na modelagem para atender as exigências do mercado externo.
Com a assiduidade das exportações, as indústrias passaram a ter contato mais estreito com o Governo, que manifestava interesse em exportar mais produtos manufaturados e semimanufaturados e menos produtos primários, além de aprimorar a mão de obra, que em nosso país era muito abundante. Delfim Neto, que exerceu o cargo de ministro da Fazenda de 1967 a 1974 com o objetivo de promover o crescimento industrial da economia brasileira, e Benedito Moreira, que de 1964 a 1966 ocupou os cargos de secretário do comércio e secretário-geral da Comissão de Comércio Exterior, do Ministério da Indústria e do Comércio, e de 1968 a 1983, foi diretor da Carteira de Comércio Exterior (Cacex), além de ter sido membro do Conselho Nacional do Comércio Exterior (Concex), se destacaram como figuras públicas atuantes para o desenvolvimento setorial.
Pratini de Moraes, que foi ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo do Brasil, de 1970 a 1974, e da Agricultura e Abastecimento entre 1999 e 2003, foi outro importante político aliado do setor. Se interessando, inclusive, em criar um modelo de exportação para o couro, que era visto como um setor com mão de obra especializada e abundante, tendo expertise em trabalhar com tecnologia avançada.
Graças ao seu envolvimento pessoal, o Congresso se mobilizou no sentido de viabilizar a criação de incentivos fiscais visando ao desenvolvimento das exportações. Tamanho compromisso de Pratini com o setor lhe rendeu o título de Ministro do Calçado.
IBTeC: 50 anos capacitando a indústria brasileira
O mercado externo exigia volume de produção e alta qualidade, o que levou a indústria nacional a buscar técnicas mais modernas para os seus processos. Os empresários voltaram o olhar ao renomado modelo de fabricação da Europa, de onde se abasteceram de informações e tecnologias que pudessem suprir as carências do setor.
No início dos anos de 1970, um grupo de técnicos e empresários, liderados por Cláudio Strassburger, decidiu que era hora de qualificar a mão de obra e atestar tecnicamente a qualidade dos produtos para oferecer maior credibilidade aos importadores. No dia 7 de outubro de 1972, após uma série de estudos e projetos, foi fundado o Instituto Brasileiro do Couro, Calçado e Afins (IBCCA) como um núcleo do Sistema Fiergs e Cláudio assumiu como o primeiro presidente da instituição. No início a sede era junto da Escola Técnica de Curtimento de Estância Velha/RS. Mais tarde, para estar mais próxima dos empresários, a instituição foi transferida para o prédio da Associação Comercial Industrial de Novo Hamburgo/RS. Em 1976, o nome muda para Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins (CTCCA) e passa a ser uma entidade independente. Em 1984, o Centro se muda para a rua Araxá, 750 - Novo Hamburgo/RS, onde funciona até hoje.
Atuação abrangente
O Centro Tecnológico passou a atuar em três frentes:
- o departamento técnico apoiava as empresas associadas fazendo adequações em sua estrutura operacional, para garantir ganhos de competitividade.
- o laboratório da qualidade realizava ensaios físicos e químicos nos calçados e nas matérias-primas, fornecendo aos importadores laudos técnicos como garantia da qualidade dos produtos brasileiros.
- a outra linha de atuação era a disseminação de informações técnicas através da Revista Tecnicouro, que foi criada em 1979.
CTCCA passa a se chamar IBTeC e amplia sua atuação no setor
A necessidade de ampliar o reconhecimento junto aos organismos nacionais e internacionais fez com que o centro tecnológico mudasse a sua razão social mais uma vez. Assim, em dezembro de 2005, foi apresentada a nova marca - Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos (IBTeC). Hoje, são realizados anualmente mais de 30 mil procedimentos no instituto, somando as consultorias e os ensaios nos laboratórios de biomecânica do calçado, caracterização de materiais, análises de substâncias restritas e de microbiologia.
O sistema coureiro-calçadista brasileiro convive com um consumidor cada vez mais atualizado e que, além de buscar design, conforto e tecnologia, exige que as indústrias sejam ecologicamente responsáveis, garantindo a qualidade de vida das futuras gerações. Atento a esta realidade o IBTeC busca proporcionar a sustentação tecnológica necessária para as empresas atingirem os seus objetivos, superando as expectativas dos clientes finais. Referência mundial em pesquisas voltadas ao conforto em calçados e componentes, o instituto constituiu o mais completo complexo de laboratórios do sistema coureiro-calçadista do País, contando com sistemas modernos para ensaios de caracterização de materiais, avaliações biomecânicas e análises microbiológicas e de substâncias restritas. Toda esta estrutura visa a aumentar o potencial competitivo dos seus parceiros através do desenvolvimento de calçados e equipamentos de proteção individual (EPIs) com diferenciais tecnológicos e mercadológicos, atribuindo valor ao produto e à marca.
Acreditações
O instituto é acreditado internacionalmente pelo instituto inglês Satra e pela agência de importação CPSC dos Estados Unidos. Nacionalmente é acreditado pela Coordenação Geral de Acreditação (CGCRE) do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e conta com as certificações BSI (ISO 9001:2016) e Rede Metrológica RS, bem como o reconhecimento junto ao Ministério do Trabalho e Previdência (MTP).
Em 2012, o IBTeC deu início a uma nova fase na consolidação como referência na oferta de soluções para o desenvolvimento do sistema coureiro-calçadista brasileiro. Esse processo começou com a alteração do seu estatuto, buscando fortalecer ainda mais a representatividade dos associados. A estratégia se concretizou com a eleição do Conselho Deliberativo, tendo Claudio Chies na presidência, que na época enfatizou que os maiores desafios da instituição seriam manter o alto padrão técnico conquistado ao longo da trajetória agregando novos serviços, sustentar a boa imagem já conquistada pela instituição junto ao mercado e aproximar o IBTeC da cadeia produtiva do calçado.
O mandato teve início no dia 1º de janeiro de 2013. Com a eleição de Paulo Griebeler como presidente executivo do instituto e Dr. Valdir Soldi como vice-presidente executivo, a atual gestão se dedica a estabelecer novos parâmetros de atuação para o IBTeC, tendo como objetivo principal oferecer as soluções necessárias para que a indústria aumente a sua competitividade através da geração de produtos pautados pela inovação e sustentabilidade, e que promovam a saúde e o conforto do consumidor. “Ao trabalhar pelo aumento da qualidade do calçado brasileiro e assim oferecer melhores condições para as empresas competirem no mercado internacional, o IBTeC cumpre com a finalidade estabelecida em sua criação. O calçado brasileiro já avançou muito nas relações comerciais, mas há espaço para crescermos ainda mais. Além do câmbio estar favorável, há hoje o conflito entre os EUA e a China, que faz o mundo olhar para o Brasil como uma alternativa na produção de calçados. E o IBTeC está se preparando para atender as empresas novamente neste avanço”, pontua Paulo.
Dr. Valdir Soldi (E), Claudio Chies (C) e Paulo Griebeler (D).
A conquista de mercados está condicionada à gestão das substâncias restritas
O instituto aperfeiçoa constantemente seus laboratórios com novas tecnologias, capacitação do corpo técnico e atua fortemente em consultorias industriais, sendo que atualmente um dos principais focos é a gestão das substâncias restritas. Este controle entrou na pauta do segmento há mais de 15 anos e a urgência cresce na mesma medida que novas regulamentações são criadas mundo afora, aumentando a listagem dos elementos controlados com a diminuição dos limites permitidos.
Na última década, não apenas os países, mas também grandes corporações passaram a estabelecer listas próprias e cada uma é diferente das outras, tanto no rol das substâncias quanto nos limites autorizados, o que torna o monitoramento ainda mais complexo. Essa é uma situação que tem causado preocupação entre empresários da cadeia produtiva - compreendendo desde a rede de suprimentos até os fabricantes de produtos acabados.
Se por um lado precisam investir recursos para oferecer aos mercados compradores garantias de que cumprem todas as exigências, por outro querem evitar o aumento do preço final dos seus artigos, pois com isso perderiam em competitividade. Diante deste dilema, os gestores são provocados a transformar tais exigências em valor percebido pelos clientes, e a busca pela atualização é o mecanismo mais adequado para o enfrenta- mento do desafio.
“Hoje as barreiras comerciais se transformaram em exigências técnicas e as empresas precisam adequar seus produtos de acordo com as normas de cada país. O IBTeC aumentou a sua atuação neste sentido e capacitou mais de mil empresas na gestão das substâncias restritas”, destaca o presidente executivo, complementando que o IBTeC é um centro de excelência no oferecimento de um consistente portfólio de produtos voltados a assessorar as empresas na entrada dos mercados.
O Laboratório de Substâncias Restritas do IBTeC foi inaugurado em 2008, depois de dois anos de planejamento, pesquisas e busca por recursos. Para que o projeto se tornasse realidade, o instituto contou com a participação de seis indústrias calçadistas que aportaram os recursos de contrapartida que a Finep, através do CNPQ/Ministério da Ciência e Tecnologia, exigia. Em troca de sua participação na estruturação do laboratório, estas empresas receberam créditos em serviços futuros.
O vice-presidente executivo do IBTeC, Dr. Valdir Soldi, que foi convidado para orientar na idealização e implantação, lembra que o laboratório começou realmente a atender demandas das empresas no segundo semestre de 2009. “No início tínhamos algumas limitações, com poucos equipamentos e recursos, fazendo apenas os ensaios mais básicos, que tinham mais demanda na época. À medida que o laboratório se tornava conhecido, e recebia solicitações de novos ensaios, a estrutura foi sendo complementada com novos equipamentos, para atender outros segmentos, como o de fabricantes de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), que hoje têm participação significativa no volume de trabalho do laboratório”, explica.
Foi a partir do início do mandato de Paulo Griebeler como presidente executivo e o Dr. Valdir Soldi como vice-presidente execu tivo, em 2013, que o Laboratório de Substâncias Restritas passou a receber novos investimentos, “na época ainda pensando no quanto poderíamos aumentar nossa contribuição para o desenvolvimento do setor calçadista, sem considerar os outros setores que hoje fazem parte do nosso dia a dia. Hoje, o laboratório é um dos setores que respondem pelo maior volume de serviços no IBTeC”, afirma o vice- -presidente.
Todos os serviços do laboratório
O Laboratório de Substâncias Restritas oferece toda a infraestrutura para a realização de ensaios e apoio às empresas que buscam atender as exigências nacionais e internacionais com relação à presença de substâncias restritas em seus produtos. Além disso, disponibiliza serviços de controle da qualidade para identificação de substâncias químicas em produtos em segmentos como calçados, bolsas, couro, sintéticos, componentes e artefatos, têxteis, polímeros, joias, entre outros.
O espaço atende especialmente empresas que têm atuação como exportadoras, e que precisam comprovar, através de laudos obtidos a partir de análises laboratoriais, que seus produtos obedecem a legislação quanto aos limites estabelecidos. “Os clientes que geram o volume de trabalho neste laboratório são empresas, responsáveis por grandes volumes de calçados e EPIs exportados, que precisam atender às exigências impostas por países que criaram barreiras técnicas para a entrada de produtos em seu território”, explica o professor Valdir Soldi.
Nos últimos anos, pequenas empresas que atuam como fornecedoras para as grandes corporações também tiveram que incorporar os laudos em seus produtos, o que trouxe fabricantes de menor porte como clientes permanentes. Mas o Laboratório de Substâncias Restritas do IBTeC não atua apenas na realização de ensaios de análise de presença de substâncias em produtos. A equipe atua também com consultoria, com a elaboração de manuais para atender as grandes empresas que precisam adequar seus fornecedores conforme as legislações internacionais para exportação.
Regulamentação brasileira ainda não é lei
O objetivo central das diretrizes é estabelecer limites ou proibições para o uso de substâncias perigosas preservando a saúde da população e o meio ambiente. Porém, as legislações também servem como uma espécie de barreira técnica para a entrada de produtos nos mercados. Por não ter ainda uma lei específica sobre este assunto, o Brasil permite que produtos potencialmente nocivos às pessoas e à natureza entrem livremente pelas nossas fronteiras e concorram com produtos nacionais no mercado interno, o que significa prejuízos para empresas que investem na adequação dos seus produtos.
É importante salientar que a preocupação com o controle das substâncias não deve ser uma exclusividade para quem importa ou exporta. Esta é uma responsabilidade também para as empresas brasileiras que desenvolvem produtos para o mercado interno. Pensando nisso, o sistema coureiro-calçadista foi pioneiro, iniciando em julho de 2013 os primeiros estudos para a criação de uma legislação para as substâncias químicas restritivas no País.
As comissões do Comitê Brasileiro de Couro, Calçados e Artefatos de Couro (CB-011), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estudam normas internacionais, os membros discutem a formulação da norma brasileira, o texto é submetido à Consulta Nacional e somente após a aprovação a norma é publicada. Este é um trabalho voluntário e está aberto à participação de todos os interessados. As normas da ABNT têm caráter voluntário em sua utilização, o que não obriga as empresas a utilizarem. Essa situação pode mudar caso o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) adote uma resolução, determinando o caráter obrigatório.
O CB-011, através da Comissão de Estudo de Substâncias Restritas, estuda uma série de normas para determinação das substâncias restritas para o setor. Algumas normas apenas eram reconhecidas internacionalmente, porém com o trabalho realizado pelo CB-011, estas normas já podem e são utilizadas nacionalmente.
No ano de 2021 o comitê estudou cinco normas e destas até o momento uma foi publicada pela ABNT. As demais estão em processo de revisão.
Norma Publicada: - ABNT ISO 10195 Couro - Determinação química do teor de cromo (VI) em couro - Pré-envelhecimento térmico do couro e determinação do cromo hexavalente.
Normas estudadas em 2021:
- ABNT NBR ISO 17075-1 Couro - Ensaios químicos - Determinação do teor de cromo VI;
- ABNT ISO 17075-2 Couro - Determinação química do teor de cromo (VI) em couro;
- ABNT NBR ISO 17070 Couro - Testes Químicos - Determinação do teor de pentaclorofenol;
- ABNT NBR ISO 13365 Couro - Testes químicos - Determinação do teor de conservantes (TCMTB, PCMC, OPP, OIT) em couro por cromatografia líquida.
Demais normas do comitê:
- ABNT NBR 16905 Componentes para calçados e artefatos - Limites orientativos de substâncias restritas;
- ABNT NBR 16268 Determinação de cádmio - Método decomposição úmida;
- ABNT NBR ISO 17234-1 Couro - Testes químicos para determinação de certos azo corantes em couros tingidos Parte 1: Determinação de certas aminas aromáticas derivadas de azo corantes;
- ABNT NBR ISO 17072-1 Couro - Determinação química do teor de metais Parte 1: Metais extraíveis17226-1;
- ABNT NBR ISO 17226-1 Couro - Determinação química do teor de formaldeído Parte 1: Método de cromatografia líquida de alta performance (HPLC);
- ABNT NBR ISO 17072-2 Couro - Determinação química do teor de metais Parte 2: Teor total do metal;
- ABNT NBR ISO 14184-1 Têxteis - Determinação de formaldeído Parte 1: Formaldeído livre e hidrolisado (método de extração em água);
- ABNT ISO 16186 Calçados - Substâncias críticas potencialmente presentes em calçados e componentes para calçados - Método de ensaio para determinação quantitativa do dimetilfumarato (DMFU) em materiais de calçado.
- ABNT NBR 16604 Calçados e componentes - Substâncias restritivas - Determinação de chumbo (Pb) total e cádmio (Cd) total.
A cadeia de fornecedores passa por ajustes
A exemplo de organizações globais como Adidas, Nike, Asics e Puma, que têm determinações próprias a serem cumpridas pelos seus fornecedores, algumas empresas nacionais também iniciaram o ajuste da sua rede de suprimento, tendo como base as diretrizes internacionais adotadas pelos respectivos mercados compradores. Alpargatas, Arezzo, Bebecê, Beira Rio, Bibi, Grendene, Klin e Usaflex são exemplos de gestão completa dos materiais usados nos calçados, sendo pioneiras na capacitação de toda a cadeia de fornecedores, preservando não apenas a saúde dos consumidores, mas também dos colaboradores internos, que manuseiam os materiais durante os processos de fabricação.
O IBTeC estabeleceu uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae RS), o que facilita este alinhamento entre os fornecedores, devido ao subsídio de parte dos custos. Três desses programas de capacitação (Bebecê, Beira Rio e Usaflex) foram realizados com o apoio do Sebrae. O gerente regional do Sebrae, Marco Copetti, comenta que o setor calçadista passa por um processo de melhoria de toda a cadeia produtiva. “Nenhuma cadeia de valor vai se desenvolver sem o fortalecimento de todos os elos. É muito importante que as empresas âncoras proporcionem oportunidades como esta aos seus parceiros para trazermos tecnologia e conhecimento ao setor, pois o mercado vai excluir aqueles que, independentemente do seu tamanho, não se alinharem para suprir essa necessidade”, considera.
O consultor do IBTeC, Paulo Model foi o responsável pela capacitação das empresas fornecedoras. “Nos últimos anos a cadeia de fornecedores de componentes para calçados evoluiu de maneira significativa no atendimento e adequação aos requisitos da legislação mundial sobre substâncias restritas. Este crescimento pode ser comprovado pelos laudos técnicos realizados no Instituto, que claramente demonstram que os índices de reprovação reduziram consideravelmente nos últimos anos, principalmente para as substâncias mais demandadas como os metais pesados, ftalatos, cromo VI, azo corantes, entre outros. Esta evolução do setor se deve principalmente ao trabalho realizado pela equipe técnica do IBTeC nas empresas e no desenvolvimento de manuais técnicos com base na legislação internacional. Além disso, a participação do Sebrae subsidiando as pequenas empresas, associado ao visível desenvolvimento das mesmas, foram também fundamentais para que toda a cadeia calçadista crescesse”, considera Paulo Model.
Tudo começa pela cadeia de suprimento
Ao falarmos de um calçado, é preciso lembrar que este produto é resultado de alguns produtos químicos, materiais e de máquinas e equipamentos utilizados durante todo o processo de desenvolvimento e fabricação, e que, assim como os calçados, também atuam de forma independente no mercado de exportação. Ouvimos porta-vozes das principais entidades setoriais para sabermos como é a dinâmica de cada segmento.
Componentes
O gestor de Mercado Internacional da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Luis Ribas Júnior, explica que não há registros sobre quando exatamente aconteceram as primeiras exportações diretas de componentes para calçados. O que se pode afirmar é que a exportação do setor passou a ter relevância a partir dos choques de aumento de produção de calçados, na década de 1990 até início dos anos 2000 e hoje a gama de componentes exportados soma 136 produtos. “As empresas de químicos para tratamento de couro aproveitaram o contexto e internacionalizaram-se muito rapidamente. Hoje, são as mais internacionalizadas do setor, se consolidando com um dos principais players mundiais”, contextualiza Luis complementando que a criação do Mercosul, na década de 1990, também favoreceu muito o início das exportações para a Argentina, especialmente de palmilhas, solados e cabedais.
O primeiro convênio
Em 1998, foi firmado o primeiro convênio entre a Assintecal e a Apex- -Brasil, que deu origem ao programa By Brasil Components, Machinery and Chemicals, que tem por objetivo incrementar e qualificar as exportações de componentes. Desde o início do acordo, houve uma evolução quanti e qualitativa do setor, que hoje está consolidado como um dos principais players do mundo. A estratégia foi trabalhar coletivamente e em ações de capacitação e promoção comercial, tanto no Brasil quanto no exterior.
Luís lembra que durante muito tempo os componentes ficaram vinculados exclusivamente ao mercado interno. Assim, a cada revés na produção muitas empresas precisavam encerrar suas atividades, pois dependiam de poucos clientes. A Assintecal, com o apoio da Apex-Brasil, fez um trabalho de diversificação dos mercados, tendo as exportações como suporte. Também buscou atuar em outros segmentos da própria indústria nacional, para que o calçado não fosse o único setor atendido.
AMÉRICA LATINA - As dificuldades de abastecimento e encarecimento do frete, especialmente para importações da Ásia, têm feito com que grandes fabricantes da América Latina busquem componentes para a produção de seus calçados no Brasil. Dados elaborados pela Assintecal apontam que, de janeiro e outubro de 2021, as exportações do setor geraram US$ 230,14 milhões, incrementos de 12,4% em relação ao mesmo período do ano passado e de 0,7% em relação a igual intervalo de 2019. Dos dez principais destinos, sete são da América Latina. A alta das importações desses países também é maior, na faixa de 44% em relação ao mesmo período do ano passado.
PRODUÇÃO RESPONSÁVEL - O gestor da Assintecal observa que o mercado de exportação passou por mudanças bem profundas quanto aos controles sobre as substâncias utilizadas ao longo da cadeia de produção e na questão da sustentabilidade, exigindo das empresas um maior controle sobre as suas práticas e também da cadeia de fornecedores. “Os controles de substâncias restritas são globais e as empresas precisam atender a tais exigências. No que tange a isso, a Norma brasileira é tão exigente quanto as internacionais, o que nos beneficia em muitos mercados”, conta Luis. Já a sustentabilidade está na pauta da Assintecal há muito tempo.
“Já vínhamos trabalhando certificação e capacitação das empresas, não como um diferencial, mas como uma forma de sobrevivência do setor. A sustentabilidade é uma realidade mundial e as empresas que não se adaptarem terão dificuldades. Pensamos que a sustentabilidade é, além de benéfica ao planeta, uma oportunidade econômica, tanto pelo retorno financeiro que o próprio processo gera como pela oportunidade de abrir novos mercados. Hoje temos a única cadeia produtiva no mundo integralmente certificada pelo programa Origem Sustentável, que cobre componentes e calçados, e pelo CSCB, dos curtumes. Trabalhar essa imagem internacional e apresentar os materiais oriundos de processos produtivos sustentáveis estão na pauta internacional da Assintecal para 2022”, pontua ele, considerando ainda que o cenário é muito bom para as empresas brasileiras exportarem seus materiais.
Couros
O presidente executivo do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil, (CICB), José Fernando Bello, conta que o Brasil curte anualmente 40 milhões de peles. Em 2021, de janeiro a outubro, exportou 149,2 milhões de m2 de couros, o que gerou US$ 1,191 bilhões para o setor. De todo o valor exportado, 25,9% foram de wet blue; 10,9% de semiacabado e 56,7% em couros acabados. De acordo com um estudo realizado pela entidade em 2019, os três principais segmentos importadores de couros brasileiros são a indústria automotiva (participação de 37% de todo o couro brasileiro vendido ao mercado externo), estofados (33%) e calçados (16,7%).
Destacando que alguns dos principais atributos do couro brasileiro são a sustentabilidade, a qualidade e a criatividade, Fernando lembra que o País possui a Certificação de Sustentabilidade do Couro Brasileiro (CSCB) e mantém programas constantes ligados ao aprimoramento técnico, pesquisa de tendências e potencial criativo - como o Preview do Couro e o Design na Pele, executado pelo Braziian Leather, projeto de incentivo às exportações realizado pelo CICB e Apex-Brasil.
No período de janeiro a outubro de 2021, China/Hong Kong (participação de valor 37,3%), Estados Uni- dos (14,3%) e Itália (14,2%) são três os maiores mercados importadores de couros brasileiros.
O MELHOR E O PIOR MOMENTO - Sobre qual teria sido o melhor período para as exportações de couros para o País, o presidente do CICB comenta que analisar o panorama das exportações de couro é complexo, pois, números elevados podem não refletir exatamente um ano que se considere positivo ao setor. A explicação é que a indústria é influenciada por uma série de fatores, como valor da matéria-prima, insumos, taxa de câmbio, logística e outros. Mas, tomando como base somente o recorte de valor final, o ano de 2014 foi o que atingiu o maior valor das exportações de couros e peles do Brasil, com um total de quase US$ 3 bilhões. Já 2020, foi bastante preocupante, com preços e volumes em queda, registrando os menores valores exportados em mais de 20 anos.
Hoje, segundo o dirigente, a indústria do couro do Brasil está solidificada no mercado mundial, dado seu trabalho muito consistente de décadas, com investimentos significativos em tecnologia, sustentabilidade e internacionalização. “Temos produção em larga escala e fortíssimo e estruturado controle ambiental. O mundo inteiro passou por mudanças a partir da pandemia, mas sentimos que nosso relacionamento com clientes foi mantido com estabilidade e até fortalecido neste período. Vimos nas recentes feiras presenciais que participamos (Lineapelle, Milão, e Anpic, México) um horizonte muito positivo para o nosso trabalho, de modo que temos boas expectativas para 2022”, contextualiza.
FEIRAS SETORIAIS - Fernando enfatiza que com o retorno em definitivo do calendário de feiras internacionais presenciais do setor de couros, estará novamente frente a frente com os clientes. Inspiramais (em Porto Alegre, em janeiro), e APLF (em Dubai, em março), são dois exemplos de grandes eventos pelos quais aguardamos com boas perspectivas. “Essas são plataformas importantes para o relacionamento da indústria curtidora nacional com seus grandes clientes e entendemos que esses serão espaços que nos permitirão bons resultados”, acredita.
Está ocorrendo uma ampliação de debates sobre sustentabilidade, cadeias de fornecimento e comunicação do setor de couros em todo o mundo, o que possibilitará ao País um aprimoramento ainda maior destes pontos em suas dinâmicas de trabalho. “Esse diálogo deve crescer ainda mais. O papel do CICB neste contexto segue seu propósito de união do setor de couros para a promoção de ações ligadas à sustentabilidade, desentrave burocrático, qualificação profissional, aprimoramento de imagem, comunicação e relacionamento comercial. Isso permitirá à indústria de couros resultados positivos, com reinvestimento, mais valor agregado e crescimento do setor e da economia do País, conclui Fernando Bello.
Máquinas
As exportações brasileiras de máquinas para o segmento coureiro calçadista começaram nos anos de 1980, com iniciativas isoladas das empresas. A partir de 1999, através de parceria da Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos para os Setores do Couro, Calçados e Afins (Abrameq) com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investi- mentos (Apex-Brasil), foi implementa- do o Projeto By Brasil e começaram a se realizar ações coletivas, otimizando recursos e melhorando os resultados, com as empresas participando principalmente de feiras em mercados-alvo, com ênfase para a América Latina.
Délcio Schmidt, diretor comercial da Erps, comenta que a sua empresa começou a exportar em 2001, com vendas para o México. Porém, um ano depois, em fevereiro de 2002, participou da Anpic, na cidade de León, e, a partir daí, os negócios evoluíram consideravelmente. Mas as vendas cresceram mais a partir de 2003, quando, além do mercado mexicano, a empresa passou a exportar para outros países da América Latina, como a Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru.
Apoio fundamental da Abrameq
Para este sucesso, Délcio destaca que as ações da Abrameq foram fundamentais para a inserção do setor no mercado da América Latina, principalmente pela continuidade das participações em feiras e outros eventos realizados nos países-alvo.
Neori Paim, diretor comercial da Master, observa que, “diante da perda de distribuidores, passamos a fazer as vendas de forma direta, contratamos técnicos e passamos a visitar e fazer palestras técnicas em regiões de produções de calçados por país, fazendo layouts e posteriormente entregando, treinando e fazendo dar os resultados prometidos. Então, passamos a fazer estandes promocionais coletivos mostrando a força do Brasil em produção de soluções para o setor coureiro-calçadista.
Além do apoio da Abrameq, Délcio Schmidt destaca o amadurecimento do setor, com as empresas se estruturando e desenvolvendo trabalhos contínuos visando a incrementar as exportações. Adiciona o clima de confiabilidade dos mercados no potencial tecnológico e qualidade dos produtos de algumas empresas que se prepararam para a disputa destes mercados. Ao mesmo tempo, destaca que, algumas empresas, além de participarem das ações desenvolvidas pela Abrameq, intensificaram o trabalho com visitas contínuas nos principais mercados da América Latina. E ainda adicionou como fator positivo o câmbio favorável, que infelizmente deixou de ser componente favorável a partir do ano de 2007.
Momento desafiador
Este processo de consolidação no mercado da América Latina vive um momento difícil. Délcio Schmidt comenta que a pandemia da Covid fez com que a indústria calçadista nos países em que atuamos esteja passando por grandes dificuldades e alguns deles os negócios passaram a ser eventuais e, em outros, praticamente inexistem.
Neori Paim relembra das dificuldades com a taxa de câmbio, que oportunizou a entrada de produtos chineses, mas reforça a dificuldade atual, gerada pela pandemia, porque caíram muito as produções nos países em que realizamos negócios, o que eliminou a demanda de nossos produtos. Ele salienta que “estávamos indo bem até a chegada da pandemia, apesar de dificuldades em países como o México e a Argentina, especialmente quanto à condição técnica dos mesmos e principalmente quanto ao prazo de pagamento, porque seguimos sem uma linha de crédito de exportação atrativa”.
Otimismo para 2022
Neori Paim acredita que a reabertura das atividades nos países da América Latina, combinada com um câmbio favorável, permite que se tenha boas expectativas para 2022, com a retomada dos volumes de exportações, “porque temos elevado conceito nos países em que atuamos”.
Neste sentido, ele destaca que “seguiremos nas mesmas estratégias de vender soluções com linhas completas de montagem de calçados dentro da filosofia indústria 4.0, trazendo digitalização e ganhos reais de produtividade, com equipamentos e máquinas adequadas às realidades de produções de cada mercado”. Porém, adverte que falta uma linha de crédito mais atrativa, necessária para que este potencial seja bem aproveitado.
O cenário das exportações de calçados ontem e hoje
Ao recordar que as primeiras exportações bem-sucedida dos calçados brasileiros realizadas pela Strassburguer foram um caso isolado, já que no Brasil não existia um trabalho mais robusto para internacionalização dos nossos calçados, o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, enfatiza que as exportações brasileiras ganharam volume entre metade dos anos 80 e cresceram até meados dos anos 90, quando, com o Plano Real e a paridade entre o dólar e a moeda brasileira, o setor passou por muitas dificuldades. Além desse percalço, teve o advento da China, e dos vizinhos asiáticos, como grandes players internacionais, fazendo uma concorrência, muitas vezes, desleal com os demais países exportadores. Até o surgimento da concorrência asiática, no final da década de 1990, período em que o setor atingiu o auge nas exportações, o calçado brasileiro era procurado e não existiam grandes esforços de promoção, sendo comprado com a marca do cliente.
Com a China se estabelecendo como o principal produtor internacional, foi necessária uma mudança no cenário. O Brasil, por meio de um intenso trabalho de promoção da imagem verde-amarela no exterior, passou a comercializar mais produtos com marca própria. O Brazilian Foot- wear, convênio mantido com a Apex-Brasil desde o ano 2000, teve papel fundamental na qualificação das exportações. “A partir do convênio, passamos de 99 destinos para mais de 150 destinos no exterior, grande parte com calçados de marca Made in Brazil. A busca pela maior eficiência produtiva é uma constante no setor calçadista e acreditamos que a indústria, na medi- da do possível, faz a sua lição de casa”, considera Haroldo.
O Brasil possuía, em 2019, a maior produtividade na fabricação de calçados entre os cinco maiores produtores de calçados do mundo. Em 2020, devido aos impactos da pandemia na produção, observou-se uma redução no número de pares produzidos por trabalhador, passando de 3,48 mil para 3,09 mil, entre 2019 e 2020. “Ainda assim, a produtividade brasileira é 61% superior à produtividade na Indonésia, e 247% superior à produtividade no Vietnã, perdendo apenas para a China. E, em 2020, a produtividade brasileira foi 36% superior à média mundial. Ou seja, o problema está do portão para fora da fábrica, com os nossos enormes custos de produção”, contextualiza o executivo.
Em volume, o melhor resultado para as exportações de calçados foi alcançado em 2004, com 212 milhões de pares embarcados. Em receita, o melhor desempenho aconteceu em 2007, com mais de US$ 1,9 bilhão gerados com as exportações do setor.
A partir da segunda década dos anos 2000, a queda nas exportações começou a se acentuar. Além do crescimento da concorrência dos fabricantes asiáticos, teve uma perda considerável diante do crescimento do chamado Custo Brasil, especialmente no que diz respeito aos tributos. “Estudos apontam que as empresas brasileiras perdem mais de R$ 1,5 trilhão todos os anos em função de custos produtivos, algo em torno de 6% do nosso PIB”, aponta Haroldo.
No que diz respeito às importações, outra preocupação do setor: até 2010, o Brasil sofria uma verdadeira invasão de calçados chineses. Foi somente a partir do antidumping, que entrou em voga em setembro de 2009, uma demanda da Abicalçados que previa - e prevê - a aplicação de uma sobretaxa de importação sobre o calçado chinês, que a situação foi normalizada. “Como comprovado, os importadores de calçados chineses praticavam dumping, ou seja, colocavam preços mais baixos do que os praticados no próprio mercado interno para exportação. Trata-se de uma prática predatória, que vinha dizimando a indústria brasileira de calçados. No caso da China, a indústria ainda recebia - e recebe - subsídios governamentais que fazem com que o custo produtivo local seja muito mais baixo do que nos principais concorrentes, caso do Brasil”, explica o presidente.
O antidumping foi, e é, fundamental para a indústria brasileira, que corria o risco de desaparecer caso não houvesse um mecanismo de defesa comercial. “Para se ter uma ideia, em 2008, ano anterior ao estabelecimento da sobretaxa ao calçado chinês, as importações de produtos chineses chegaram a quase US$ 220 milhões, número que caiu a US$ 54 milhões em 2010, após a adoção da medida”, descreve.
O cenário hoje
Em 2020, com a pandemia, aconteceu uma queda considerável nos embarques. A exportação do ano passado caiu 18,6% diante do ano anterior, chegando a pouco mais de 93 milhões de pares, pior resultado desde 1983. Em 2021, até outubro, o setor exportou 99 milhões de pares, gerando US$ 712,4 milhões, incrementos de 32,2% em volume e de 30,7% em receita na relação com o mesmo ínterim do ano passado. No comparativo com o acumulado de 2019, as exportações de calçados estão 2,7% superiores em volume e 13,2% inferiores em dólares. Trata-se, segundo Haroldo, de uma recuperação que vem surpreendendo até mesmo os calçadistas.
Ele conta que quando assumiu a presidência da Abicalçados, em agosto de 2019, encontrou uma entidade organizada e com uma equipe comprometida, duas características que foram fundamentais para que a instituição passasse pela crise da pandemia do novo coronavírus sem grandes percalços.
A entidade vem fortalecendo a relação com os polos calçadistas brasileiros por meio da união com os sindicatos das indústrias locais: conquistou a aprovação de um anexo específico para regulamentação de máquinas no setor calçadista; criou um sistema de logística reversa de embalagens; reformulou, em parceria com a Assintecal, o programa Origem Sustentável, a única certificação mundial de calçados no mundo e que recentemente foi destaque na Expo Dubai; está trabalhando pela renovação do antidumping contra o calçado chinês, entre outros temas de interesse da indústria nacional.
Também reforça o trabalho de representação do setor, a partir da participação na Coalização Indústria, grupo formado por entidades de setores representativos da indústria e que possui interlocução direta com o Poder Público.
“O objetivo da Coalização é criar melhores condições de competitividade para a indústria nacional, especialmente a partir da redução do Custo Brasil”, resume Haroldo, reforçando que a Abicalçados vai seguir fortalecendo a indústria brasileira por meio do desenvolvimento, promoção comercial e de imagem e defesa comercial. Sempre em busca de melhores condições de competitividade.
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